Herbert Araújo
Eu sempre pensei se em algum
momento da minha vida eu iria conseguir vivenciar de uma forma verdadeira e
simultânea duas sensações extraordinárias (principalmente quando a sentimos ao
mesmo tempo): a sensação de realização e uma vasta esperança no futuro! Isso
foi algo tão surpreendente e encantador que resolvi escrever imediatamente para
compartilhar com tantas pessoas quanto pudesse. Algo tão incomum que eu nem sei
se as pessoas que lerem isso vão compreender, mas a verdade é que é impossível
haver realização se não é valorizado e vivido com verdade e intensidade o
presente, a lembrança de quem se foi e a esperança no que ainda há de ser...
A data: 03 de Setembro de 2013.
Acordei cedo para um dia que aparentemente não passava de um dia normal - e um
tanto chato – para resolver alguns detalhes burocráticos que não me
interessavam diretamente. Eu sabia que iria passar longas horas em uma sala de
espera e tinha duas opções (muito boas!) de livro para levar e ler enquanto
passava o tempo: “A Tempestade” (Shakespeare) ou “A Origem das Espécies”
(Darwin)... Feita a escolha, eu fui
acompanhando minha mãe na cidade vizinha com um misto de preguiça e boa
vontade em ajudá-la e chegando lá sentei para ler aquilo que para qualquer um
que me conheça, não foi uma escolha surpreendente. Sim, o livro do grande
Shakespeare é bom, mas lá eu me encontrava finalmente desperto da preguiça e
qualquer vestígio de sono, lendo a obra mais revolucionária da história da
Biologia, já no capítulo que fala sobre hereditariedade (vale lembrar que na
noite anterior eu tinha feito uma complicada prova de genética e a expectativa
era na manhã seguinte dar início ao meu novo curso – genética!)
Campina Grande-PB (foto de José Joelmo P. Araújo) |
Na volta para casa, após ter tido
que interferir na grosseria que a funcionária estava dirigindo à minha mãe por
um erro do próprio sistema utilizado por eles (da repartição pública) usando
meu instinto de defesa e, mais tarde, de sobrevivência, para não ser atropelado
no trânsito frenético do centro, peguei um coletivo e nele vinha um cara da
minha cidade que faz o mesmo curso que eu. Universitários e alunos de diversos
níveis transitando nas ruas como todos os dias, um velório na câmara de
vereadores... E a vida seguindo, apesar das mortes. Apesar das situações não
muito empolgantes do dia, chegando já no sítio (agora, mais precisamente na
casa da minha vó, onde vi uma “rosa-do-deserto”, estranha, mas interessante) eu
fiquei no alpendre como foco dividido entre a conversa e as plantas na frente
da casa como se ainda tivesse os mesmos doze anos de quando eu me embrenhava no
mato tentando descobrir qual era a nova parte do mundo que eu ia descobrir
sobre um galho ou sob a forma de um inseto cujo corpo excêntrico e monstruoso
em miniatura me despertasse outro misto: de surpresa e curiosidade. Até aí um
dia com altos e baixos, apenas estranho,...
Chegando em casa, faço algumas
ligações (para o pessoal da universidade, querendo saber como andam os
trabalhos e para a namorada, como de costume). Com a volta do sono eu dou um
cochilo e logo levanto com uma visita corriqueira de parentes. Foi quase
sobrenatural pisar fora de casa quase voltando a dormir e ver uma massa enorme
e linda de nuvens pesadas, um céu nublado arroxeado com um arco-íris projetado
contra aquele plano de fundo obscuro e encantador, mas era natural, apenas a
natureza é mesmo extraordinária, contemplei e isso ainda não foi suficiente
para me fazer perceber que era um dia especial. No fim da tarde fui ler um
pouco sobre o olfato das serpentes e o costume que elas têm de colocar a língua
fora da boca para “degustar o cheiro de presa” e depois enviar minha
contribuição para um trabalho de Zoologia.
Depois, ajudei minha irmã com os
estudos da escola sobre a membrana plasmática. Ao abrir o e-mail, uma triste
notícia: meu curso não iria iniciar no dia seguinte, pois havia morrido um
grande biólogo, que tive a sorte de ver algumas vezes e conhecer seu trabalho:
Dr. Ivan Coelho Dantas, um grande botânico e ambientalista, responsável por
significativas mudanças na política ambiental da região, educação ambiental,
produção e distribuição de mudas e pelo plantio de milhares de árvores da flora
brasileira... E a vida sempre surpreendendo...
Em um único dia eu senti boas e
ruins sensações de maneira frenética, aprendi mais do que esperava e mesmo
ainda zonzo e cansado, tive uma alegria; já à noite minha namorada me liga e
potencializa a alegria com um simples, mas carinhoso e extraordinário “FELIZ
DIA DO BIÓLOGO!”...
CA – RAM – BA!
Eu esperei ansiosamente esse dia
chegar e quando vim me dar conta ele já havia passado, entretanto, isso não me
veio como motivo de desapontamento, muito pelo contrário, afinal, mesmo não
tendo sido influenciado pela data, eu vivenciei o meu dia do início ao fim
respirando a ciência da vida e foi quase como um choque que eu percebi que do
mesmo modo ocorreu nesse dia, se eu olhar toda minha história, eu vou ver que
não houve um único dia em que eu não tenha aprendido, ensinado, praticado e
escrito Biologia, minha vocação, minha ciência, minha vida!
Escrevi nos projetos, artigos, resumos,
trabalhos, provas, nas vezes em que eu “brigava” com meu pai para ele não
cortar árvores, nas longas tardes que passei andando na relva florida de
setembro assistindo o vôo das mariposas e outros insetos crepusculares.
Posso, hoje, me achar na condição de me dizer um
Biólogo de verdade, não pela minha vida acadêmica, que está começando agora,
mas pela minha vida de estudo e descobertas autênticas, vividas espontaneamente
durante cada dia da minha simples maravilhosa vida, pois seja diante da
vastidão do Oceano Atlântico, seja perante um pequeno inseto, sempre tive a
curiosidade para observar, a crítica para investigar, a
coragem para explorar e a consciência para proteger a vida.