terça-feira, 3 de setembro de 2013

Um Dia Realmente Especial


Herbert Araújo

Eu sempre pensei se em algum momento da minha vida eu iria conseguir vivenciar de uma forma verdadeira e simultânea duas sensações extraordinárias (principalmente quando a sentimos ao mesmo tempo): a sensação de realização e uma vasta esperança no futuro! Isso foi algo tão surpreendente e encantador que resolvi escrever imediatamente para compartilhar com tantas pessoas quanto pudesse. Algo tão incomum que eu nem sei se as pessoas que lerem isso vão compreender, mas a verdade é que é impossível haver realização se não é valorizado e vivido com verdade e intensidade o presente, a lembrança de quem se foi e a esperança no que ainda há de ser...



A data: 03 de Setembro de 2013. Acordei cedo para um dia que aparentemente não passava de um dia normal - e um tanto chato – para resolver alguns detalhes burocráticos que não me interessavam diretamente. Eu sabia que iria passar longas horas em uma sala de espera e tinha duas opções (muito boas!) de livro para levar e ler enquanto passava o tempo: “A Tempestade” (Shakespeare) ou “A Origem das Espécies” (Darwin)... Feita a escolha, eu fui  acompanhando minha mãe na cidade vizinha com um misto de preguiça e boa vontade em ajudá-la e chegando lá sentei para ler aquilo que para qualquer um que me conheça, não foi uma escolha surpreendente. Sim, o livro do grande Shakespeare é bom, mas lá eu me encontrava finalmente desperto da preguiça e qualquer vestígio de sono, lendo a obra mais revolucionária da história da Biologia, já no capítulo que fala sobre hereditariedade (vale lembrar que na noite anterior eu tinha feito uma complicada prova de genética e a expectativa era na manhã seguinte dar início ao meu novo curso – genética!)

Campina Grande-PB (foto de
 José Joelmo P. Araújo)
Na volta para casa, após ter tido que interferir na grosseria que a funcionária estava dirigindo à minha mãe por um erro do próprio sistema utilizado por eles (da repartição pública) usando meu instinto de defesa e, mais tarde, de sobrevivência, para não ser atropelado no trânsito frenético do centro, peguei um coletivo e nele vinha um cara da minha cidade que faz o mesmo curso que eu. Universitários e alunos de diversos níveis transitando nas ruas como todos os dias, um velório na câmara de vereadores... E a vida seguindo, apesar das mortes. Apesar das situações não muito empolgantes do dia, chegando já no sítio (agora, mais precisamente na casa da minha vó, onde vi uma “rosa-do-deserto”, estranha, mas interessante) eu fiquei no alpendre como foco dividido entre a conversa e as plantas na frente da casa como se ainda tivesse os mesmos doze anos de quando eu me embrenhava no mato tentando descobrir qual era a nova parte do mundo que eu ia descobrir sobre um galho ou sob a forma de um inseto cujo corpo excêntrico e monstruoso em miniatura me despertasse outro misto: de surpresa e curiosidade. Até aí um dia com altos e baixos, apenas estranho,...

Chegando em casa, faço algumas ligações (para o pessoal da universidade, querendo saber como andam os trabalhos e para a namorada, como de costume). Com a volta do sono eu dou um cochilo e logo levanto com uma visita corriqueira de parentes. Foi quase sobrenatural pisar fora de casa quase voltando a dormir e ver uma massa enorme e linda de nuvens pesadas, um céu nublado arroxeado com um arco-íris projetado contra aquele plano de fundo obscuro e encantador, mas era natural, apenas a natureza é mesmo extraordinária, contemplei e isso ainda não foi suficiente para me fazer perceber que era um dia especial. No fim da tarde fui ler um pouco sobre o olfato das serpentes e o costume que elas têm de colocar a língua fora da boca para “degustar o cheiro de presa” e depois enviar minha contribuição para um trabalho de Zoologia.

Depois, ajudei minha irmã com os estudos da escola sobre a membrana plasmática. Ao abrir o e-mail, uma triste notícia: meu curso não iria iniciar no dia seguinte, pois havia morrido um grande biólogo, que tive a sorte de ver algumas vezes e conhecer seu trabalho: Dr. Ivan Coelho Dantas, um grande botânico e ambientalista, responsável por significativas mudanças na política ambiental da região, educação ambiental, produção e distribuição de mudas e pelo plantio de milhares de árvores da flora brasileira... E a vida sempre surpreendendo...


Em um único dia eu senti boas e ruins sensações de maneira frenética, aprendi mais do que esperava e mesmo ainda zonzo e cansado, tive uma alegria; já à noite minha namorada me liga e potencializa a alegria com um simples, mas carinhoso e extraordinário “FELIZ DIA DO BIÓLOGO!”...

CA – RAM – BA!

Eu esperei ansiosamente esse dia chegar e quando vim me dar conta ele já havia passado, entretanto, isso não me veio como motivo de desapontamento, muito pelo contrário, afinal, mesmo não tendo sido influenciado pela data, eu vivenciei o meu dia do início ao fim respirando a ciência da vida e foi quase como um choque que eu percebi que do mesmo modo ocorreu nesse dia, se eu olhar toda minha história, eu vou ver que não houve um único dia em que eu não tenha aprendido, ensinado, praticado e escrito Biologia, minha vocação, minha ciência, minha vida!

Escrevi nos projetos, artigos, resumos, trabalhos, provas, nas vezes em que eu “brigava” com meu pai para ele não cortar árvores, nas longas tardes que passei andando na relva florida de setembro assistindo o vôo das mariposas e outros insetos crepusculares.


Posso, hoje, me achar na condição de me dizer um Biólogo de verdade, não pela minha vida acadêmica, que está começando agora, mas pela minha vida de estudo e descobertas autênticas, vividas espontaneamente durante cada dia da minha simples maravilhosa vida, pois seja diante da vastidão do Oceano Atlântico, seja perante um pequeno inseto, sempre tive a curiosidade para observara crítica para investigar, a coragem para explorar e a consciência para proteger a vida.
EU, no meu local de trabalho.

"A espantosa realidade das cousas 
É a minha descoberta de todos os dias. 
Cada cousa é o que é, 
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, 
E quanto isso me basta. 

Basta existir para se ser completo. "(Fernando Pessoa)