segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

DNA e Criminosos – Técnicas e (des)vantagens na Genética Forense #Genética Traduzida e Comentada

Um caso de difícil resolução...

    Em 1985, no condado de Leicestershire, em um local rodeado de montanhas, que possuía apenas uma entrada, mais precisamente no vilarejo de Narborough, Inglaterra, foi encontrado o corpo de uma jovem que teria sido vítima de um estupro e logo depois assassinada. Apesar da violência do crime praticado, esse fato poderia ter se perdido entre tantos outros semelhantes na história. Mas ali morava um homem cujo conhecimento foi capaz de mudar não apenas os rumos da tragédia, como também de inaugurar uma nova fase da investigação criminal: a identificação por DNA. A partir de então, essa estratégia emergiu como uma das ferramentas mais importantes para a ciência forense. 

    Hoje, não é difícil encontrar relatos do caso na internet. Alec Jeffreys, era um geneticista, médico e professor da Universidade de Leicester. Ele havia publicado, não muito tempo atrás, um artigo na Nature sobre regiões do DNA chamadas minissatélites, com base nas quais um especialista poderia identificar uma pessoa com praticamente 100% de certeza. A polícia recorreu à sua ajuda.

  Uma segunda vítima, que parecia ter sido morta do mesmo modo, apareceu nas proximidades.  As autoridades prenderam um suspeito que confessou os crimes, mas o exame do DNA, com base no sêmen encontrado nas vítimas, não confirmou serem o preso e o criminoso a mesma pessoa, complicando ainda mais a situação. Para resumir a história, as autoridades locais forjaram uma campanha de doação de sangue e, mais uma vez, nenhuma amostra analisada era compatível no teste de DNA. Foi quando alguém lembrou ter ouvido uma conversa de que um padeiro teria entrado na fila para doar sangue no lugar de Colin Pitchfork, também padeiro.

    O caso foi resolvido quando a polícia foi em busca de Colin e ele forneceu seu sangue para o exame de DNA, que confirmou ser ele o verdadeiro praticante dos crimes (posteriormente, ele confessou a autoria). Foi assim que se deu a primeira resolução de uma investigação criminal com base em DNA. E o metido que dizia ser o estuprador aparentemente para ganhar fama, conseguiu: entrou para a história como o primeiro homem a ser inocentado através de um teste de DNA.


Sobre os métodos

    O FBI criou um banco nacional de dados com perfis genéticos de criminosos para contribuir com as investigações. É possível utilizar a identidade genética para demonstrar culpabilidade de criminosos, elucidar trocas de bebês em berçários, identificar corpos e restos mortais em desastres e campos de batalha, determinar paternidade com uma confiabilidade praticamente total. Disso todo mundo já sabe, mas como funciona? Em que casos pode ser aplicado? Há casos em que os testes de DNA não sejam a melhor saída?

   Nos casos em que gêmeos idênticos sejam suspeitos e que o criminoso tenha deixado vestígios, o DNA deixa de ser uma fonte segura, pois gêmeos idênticos são os únicos indivíduos que possuem cópias idênticas do genoma humano. Nesses casos, de acordo com Koch & Andrade (2008), se possível, mais útil seria analisar as impressões digitais, uma vez que o DNA em nada poderia ajudar. Além disso, a coleta das amostras requerem extremo cuidado para que não haja contaminação com DNA de outra pessoa e a análise não gere resultados confusos. Se as amostras não forem coletadas e processadas com cuidados adequados, podem não cumprir os requisitos judiciais e científicos para sua aceitação em tribunais.

    A característica mais importante do DNA para a ciência forense é ser uma molécula que possui regiões que podem distinguir uma pessoa de outra com alto grau de certeza. Também vantajoso é que ele está em amostras mínimas de fluidos biológicos e diversos tecidos, em todas as células nucleadas, pois como o DNA está no núcleo das células, praticamente qualquer vestígio do corpo de uma pessoa irá conter essa molécula. Outra vantagem é se tratar de uma molécula de grande estabilidade química, o que permite que sua amostra seja conservada por longos períodos, até mesmo no ambiente natural.

    Uma limitação anterior: eram convenientes para estudos desse tipo, apenas amostras com células nucleadas, mas fora do núcleo celular, existem organelas importantes no fornecimento de energia para as células, chamadas mitocôndrias, que possuem DNA próprio (há evidências de que no passado, as mitocôndrias eram microrganismos endossimbiontes que com o estreitamento dessa relação, se tornaram parte das células eucarióticas). Com o sequenciamento do DNA mitocondrial, atualmente está se superando a dependência de amostras de células nucleadas.

    Na verdade, o DNA mitocondrial oferece vantagens, uma vez que está presente em número de 500 a 2000 cópias por célula, sendo uma amostra mais abundante e independe de amostras de células nucleadas. Ainda, o DNAmt é herdado apenas do gameta materno, permitindo a identificação rápida de relações familiares pela linhagem materna; o DNAmt possui duas regiões muito úteis na investigação, chamadas regiões hipervariáveis (HV1 e HV2), onde a taxa de mutação é de 5 a 10 vezes maior que no DNA nuclear, o que caracteriza um considerável polimorfismo (variação) que ajuda a distinguir indivíduos.

    A palavra polimorfismo, aqui se refere a regiões do DNA onde a sequência de nucleotídeos difere em cada membro da população. Com base no grande número e tipos de variações é que se pode identificar uma pessoa. Regiões genômicas que apresentam diferenças entre indivíduos normais constituem marcadores moleculares. O mais comum é o estudo de regiões repetitivas (mas com padrão de repetição variando de pessoa para pessoa) chamadas microssatélites (STRs) e minissatélites (VNTRs).


Algumas técnicas:

    ELETROFORESE – é uma técnica por meio da qual se separam moléculas de acordo com características físicas como massa, tamanho, carga elétrica e compactação. Simplificando: colocam-se amostras de DNA em uma coluna de gel (agarose ou acrilamida) e subemete-se as amostras a um campo elétrico (diferença de potencial de 50 a 120v). Como as moléculas de DNA são carregadas negativamente, elas tendem a migrar ao longo da coluna de gel em direção ao pólo positivo, sendo possível distinguir diferentes amostras pela velocidade de migração. Por exemplo, moléculas menores migram mais rápido e depois de algum tempo, moléculas de tamanhos diferentes estarão localizadas a distâncias diferentes. Para a visualização das moléculas, é utilizado brometo de etídio, que torna o DNA fluorescente.

   CLONAGEM DE DNA E PCR (Polimerase Chain Reaction) – como foi mencionado no texto Reprodução: Comunicando o Código da Vida, existe uma enzima chamada DNA-polimerase que tem a capacidade de produzir cópias de uma molécula de DNA e é com base nela que funciona a técnica denominada PCR, a reação em cadeia da DNA-polimerase, utilizada na clonagem e análise de um DNA de interesse, que poderá então ser utilizado em diversos tipos de investigação e pesquisa. É rápida, não requer grandes fragmentos de DNA e, dada sua especificidade, possui alto poder de discriminação; para a sua realização, é necessário que já se tenha alguma informação prévia sobre o DNA analisado, pois é uma técnica de aplicação específica e voltada para trechos também específicos de DNA. Ela consiste em utilizar a DNA-polimerase para amplificar de sequências do DNA de interesse por meio da produção de cópias, potencializando as análises pelo aumento do número de amostras.

    SEQUENCIAMENTO o sequenciamento constitui um dos processos mais importantes em estudos desse tipo, pois permite a identificação exata da sequência de nucleotídeos do DNA estudado. Foram desenvolvidas várias técnicas de seqüenciamento, desde processos manuais até os automatizados. O sequenciamento inclui PCR, mas com algumas diferenças. Para seqüenciamento, são adicionados análogos capazes que se localizam no lugar de um determinado nucleotídeo do DNA e, nesse lugar, é bloqueado o crescimento da cadeia que cresce durante a PCR. Assim, é possível saber a localização das bases pelo local onde houve a interrupção da reação (o nome é bem complicado: interrupção controlada de replicação enzimática). O sequenciamento automático se vale também de DNA amplificado por PCR e desoxirribonucleotídeos incorporados, como no processo manual, mas que foram marcados com fluorescência. Um feixe de laser percorre a amostra excitando os marcadores fluorescentes que emitem diferentes comprimentos de onda, como base nos quais se detectam as posições das bases (ou seja, as letras do código genético). É um processo complicado e caro, mas que permite obter um conjunto robusto de informações de alta confiabilidade para pesquisas científicas e investigações criminais.






REFERÊNCIAS

KOCH, A. & ANDRADE, F. M. A utilização de técnicas de biologia molecular na genética forense: uma revisão. RBAC, vol. 40(1): 17-23, 2008.

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