segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O Dogma Central da Biologia Molecular #Genética Traduzida e Comentada

    O Dogma Central da Biologia Molecular é um modelo explicativo simplificado do fluxo de informação genética na célula. Esse modelo explicativo (publicado em 1970 por Francis Crick, que junto com James Watson revelou a estrutura do DNA) é uma simplificação dos processos relativos ao modo como a informação contida no DNA é processada e expressa, que é de grande importância para a Genética, ampla aplicação didática e fácil de entender em termos gerais. É bom começarmos por ele, para facilitar a compreensão dos textos seguintes. Vejamos:
Figura 1 DOGMA CENTRAL DA BIOLOGIA MOLECULAR: o modelo acima representa uma explicação simplificada de como o código genético é mantido e transmitido na célula. A informação contida nos genes (partes do DNA que detêm a informação das características a serem expressas) é codificada na forma de RNA pelo processo de transcrição (em vírus de RNA, ocorre a transcrição reversa, que produz DNA a partir de RNA); uma vez que a fita de RNA é formada, esse RNA pode servir de código para orientar a sequência de aminoácidos que irá caracterizar o tipo de proteína sintetizada (processo de tradução). O ciclo em volta do DNA representa a replicação, quando são sintetizadas cópias de DNA a partir daquele que já existe na célula, o que é fundamental na reprodução. Cada etapa possui enzimas específicas (que ainda serão tratadas) que catalisam cada reação; a tradução ocorre no citoplasma, onde os ribossomos, que percorrem o RNA para organizar os aminoácidos das proteínas com base no código (nos eucariotos -organismos cujas células apresentam núcleo organizado- o RNA é transportado do núcleo ao citoplasma antes de ocorrer a tradução).

Veja todos os textos da série (é só clicar)!

   Como isso é possível? Bem, já que tanto os ácidos nucléicos (DNA e RNA) como as proteínas, são polímeros, ou seja, moléculas formadas por muitas partes, suas características são determinadas pela combinação dessas partes (proteínas são formadas de aminoácidos; DNA e RNA são formados por nucleotídeos1). A sequência de nucleotídeos do DNA determina a sequência de nucleotídeos do RNA, que por sua vez, determina a sequência de aminoácidos das proteínas.

    Como as proteínas são o componente químico mais abundante no nosso organismo, depois da água, e como as enzimas que controlam nosso metabolismo são proteínas que catalisam reações químicas no organismo, as proteínas se relacionam direta ou indiretamente com as características do organismo (pensando dessa forma não fica difícil entender como o DNA molda nossas características: moldando as proteínas). No mais, conforme salientam Griffiths et al. (2008), ''A estrutura dos organismos e seus ativos processos fisiológicos são baseados, na maior parte, em proteínas ''.




    Falar da vida em linguagem molecular implica riscos. Segundo biólogos como Gerald Karp e Ernst Mayr, a Biologia Celular e a Biologia Molecular são reconhecidamente reducionistas2 e, como destaca o brasileiro Nazário de Souza Messias Jr., em seu ensaio publicado na revista Ciência Hoje (volume 39, página 57), a teoria celular é reducionista por trazer a vida para a dimensão da célula. Coloco esse ponto porque muitas vezes fiz críticas a abordagens reducionistas que se mostram inadequadas e continuo pensando que o reducionismo não é muito bom. Entretanto, para partirmos para as demais interfaces da Biologia Molecular, Celular e da Genética, precisamos ter em mente que essas áreas da Biologia atualmente estão assim alicerçadas e é necessário muito cuidado para não fazermos interpretações mirabolantes desta parte do tema. 


   Vejam só: vi um site que fez uma publicação cujo título remete a algo que me inquietou um pouco: DOGMA CENTRAL DA BIOLOGIA! Não me alongarei falando desse site, pois não sei por que razão a definição apareceu assim, mas resolvi mencionar. Afinal é muito visitado e afirmar que existe um dogma central da Biologia é um tanto exagerado, além de um exemplo de reducionismo teórico e constitutivo que considero inadequado (embora algumas pessoas ainda o definam assim), pois a Biologia não se resume à Biologia Molecular.

    Há muitas pesquisas na Ecologia, Botânica, Zoologia... que são realizadas sem tomar esse dogma como base para a abordagem dos conceitos ou para desenvolvimento do método de estudo e até mesmo a Genética surgiu antes dele. A Biologia, enquanto ciência, ou seja, em seus aspectos epistemológicos (pressupostos filosóficos como a visão holista e populacional, princípios experimentais, estrutura teórica básica) já estava alicerçada antes desse dogma, que derrubou sim muitas dúvidas, mas não o ''Pensamento Biológico'' como um todo (além do mais, nem tudo nele é geral: a transcrição reversa ocorre em retrovírus, mas tem uma infinidade de organismos que não a realizam). Mas é assim mesmo, esse  é sempre um ponto de divergência entre os teóricos. 

    Outro ponto importante: os genes por si só não podem ditar a estrutura de um organismo, afinal, o desenvolvimento de um organismo qualquer (sejam árvores, animais, bectérias, fungos...) ocorre utilizando a matéria do ambiente. Se alguma substância necessária estiver indisponível ou escassa, o organismo pode ser afetado em seu tamanho ou coloração, por exemplo. Ora, a capacidade de produzir melanina (pigmento da pele) é uma condição genética, mas depende também da exposição à radiação solar; o crescimento, que depende também da nutrição do indivíduo, é outro exemplo bem simples.

    O mais importante sobre o Dogma Central da Biologia Molecular, é que ele traz a ideia geral (e simplificada!) de como a informação genética é processada nas células e o caminho pelo qual o DNA condiciona as nossas características. É simples: a sequência de nucleotídeos do DNA determina a sequência de nucleotídeos do RNA, que por sua vez, determina a sequência de aminoácidos das proteínas. Nos textos seguintes, vamos discutir como o código genético atua na manutenção da vida (no próximo, falaremos de reprodução e do DNA moldando quem seremos) e porque a Genética e Biologia Molecular vêm trazendo novas perspectivas em temas como câncer, investigação de crimes, proteção de espécies ameaçadas, taxonomia, origem da vida, entre outros.

1 Nucleotídeos (imagem abaixo): são as unidades que compõem os ácidos nucléicos (DNA e RNA). Cada nucleotídeo é formado por um grupo fosfato, uma pentose (carboidrato de 5 carbonos) e uma base nitrogenada. É a sequência e pareamento das bases nitrogenadas que determina o código genético. 
Figura 2 Representação de um nucleotídeo (A) e disposição dos nucleotídeos no DNA (B). O RNA difere do DNA: no RNA, a pentose é a ribose, ao invés de desoxirribose (daí, os nomes, ácido ribonucléico –RNA- e ácido desoxirribonucléico – DNA); a base nitrogenada timina (T) é encontrada no DNA, mas não no RNA, enquanto a uracila (U) ocorre apenas no RNA; ainda, o RNA geralmente é uma fita simples, ao passo que o DNA é formado por dois filamentos torcidos um em volta do outro, formando o modelo de dupla-hélice, sustentada por pontes de hidrogênio entre as bases nitrogenadas dos dois filamentos.
2 Reducionismo

O reducionismo pode se apresentar de diferentes formas, mas caracteriza-se, de um modo geral, pela visão demasiadamente fechada e determinista do conhecimento científico.

-Reducionismo Constitutivo – Considera que a constituição dos organismos é a mesma que a do mundo inorgânico, tentando explicar fenômenos do mundo vivo em nível de átomos e moléculas.

-Reducionismo Teórico – Postula que as teorias e leis formuladas em um campo da ciência podem revelar-se como casos especiais de teorias e leis formuladas em um outro campo da ciência. O principal problema desse reducionismo é que ele confunde processos e conceitos. (para mais detlhes, CLICK AQUI)

REFERÊNCIAS:

GRIFFITHS, Anthony JF et al.. Introdução à genética. Guanabara Koogan, 2008.

KARP, Gerald. Biologia celular e molecular. Editora Manole Ltda, 2005.

MAYR, Ernst. O desenvolvimento do pensamento biológico: diversidade, evolução e herança. Ed. UnB, 1998.

MESSIAS Jr., Nazário S. Não foi suficiente ver para crer. Ensaio. Revista Ciência Hoje, vol. 39 • nº 229, p. 58-59.

RAVEN, P. H.; EVERT, R. F.; EICHORN, S. E. Biologia Vegetal. 7a. edição.Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2007.

Nenhum comentário: