quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Memórias de um Bacurau: ontogênese de biólogos.

Em 2010, ingressou na Universidade Estadual da Paraíba uma turma de Ciências Biológicas com pouco mais de quarenta integrantes. Pouco se sabia sobre cada um deles e muito menos qual rumo tomariam a partir dali. Alguns viam o curso como uma segunda opção, outros, como uma primeira opção para descobrir algo novo para suas vidas e outros, finalmente, eram completamente apaixonados pelas investigações acerca de como a vida acontece. É muito difícil saber o que levou cada um a chegar ali. O que se descobriu depois foi que eles ainda tinham desafios muito maiores do que poderiam imaginar e não importava o quanto foi difícil terem chegado ali, fato é que precisariam ainda de muito amadurecimento e força para seguir daquele ponto em diante.



A força de que precisavam, foi construída lentamente a partir do método mais eficiente que a humanidade já conheceu para gerar força: a união. É estranho o modo como a união acontece, porque ela começa de diferentes formas, mas eles tiveram tempo para testar várias delas. Logo de início, as afinidades emergem e formam-se logo pequenos grupos de pessoas parecidas, que pensam parecido, que têm um jeito parecido de fazer as coisas. De repente, aquele pessoal estranho ia se tornando cada vez mais familiar até um ponto em que estarem juntos era parecido com estar em casa. Logo, aquelas pessoas de diferentes histórias, lugares e personalidades estavam juntas de verdade e entre elas formavam-se preciosos laços de amizade.




O difícil mesmo foi o tal amadurecer. Porque cada um já tinha caminhado muito, aprendido muito, avançado muito em sua vida, mas já que estavam começando a viver algo diferente, muita coisa estava para ser reaprendida e só quem passa por isso sabe o quanto é difícil. Logo cedo, os problemas foram surgindo e com isso alguns daqueles que ali chegaram com tanto gás, com tanta vontade, foram aos poucos deixando a turma. Alguns descobriram que não era bem aquilo que estavam buscando, outros nem tiveram a oportunidade de descobrir, porque a vida às vezes parece escolher o caminho por nós. Se a união fazia a força de cada um, parecia que cada despedida levava um pouquinho de cada um também. Talvez o mais bonito foi ver aqueles que mesmo não tendo certeza, conseguiram encarar esses desafios de frente e ganhar a recompensa de cada passo dado.



Eu posso estar completamente enganado,
Eu posso estar correndo pro lado errado,
Mas a dúvida é o preço da pureza
E é inútil ter certeza”                   

(Humberto Gessinger)



Os tropeços foram incontáveis. Uns por causa própria, outros, não dependeram do esforço daqueles pequenos aprendizes que por ali passavam no intuito de dar o seu melhor num meio onde o seu melhor às vezes parecia ser nada. E quantas foram as vontades frustradas, as renúncias, os desabafos que ficaram guardados por já terem aprendido que eram tão pequenos e que já era muita ousadia estar ali. Afinal, o que são todas essas subjetividades perante a necessidade do cada um se manter de pé? Diante de tantos desafios? Nem por isso foram silenciados, nem por isso se renderam. A vontade de ir mais longe estava inacreditavelmente viva por todo esse tempo, a coragem de mudar era o que impulsionava aqueles seres em constante aperfeiçoamento e aprendizado.



Aquela turma, de um certo modo, não é mais a mesma. Aquelas noites sofridas, mas cheias de sentido, agora serão algo ausente das nossas rotinas e eternamente presentes no que hoje somos. Ela está eternizada em nossas memórias, mas esses cinco anos de convivência agora estão dando lugar a novos passos. Abrem-se novas portas, embora por essas mesmas portas vejamos cada um retomar seu caminho com o que leva de nós, deixando ao mesmo tempo algo de si conosco. Memórias compartilhadas. E já que ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, quem de nós passar novamente pelos corredores do CCBS, verá que de tudo aquilo, estarão presentes apenas as saudades de uma turma muito boa, da qual fizemos parte e que não mais está por ali.




Será mesmo possível dizer que fazem parte de nós aqueles que estão longe? Podemos dizer que aquilo que já não está mais ali faça parte de nós? Claro que sim! É por isso que dizem que durante aquele tempo estávamos sendo formados: como as esculturas, que assumem suas formas em parte pelo que já possuíam, em parte pelo que foi dali retirado, porque o aperfeiçoamento inclui sempre algumas perdas. Parece que, como lição final, aprendemos que é preciso ver que ficaram para trás aquela correria, aquelas aulas assistidas com cansaço e aquelas conversas curtas, onde aprendíamos um pouco mais sobre e com o outro, para chegarmos finalmente à compreensão de como tudo foi valioso em sua simplicidade. Foram chances únicas que tivemos para crescer e é bom que tenhamos levado o máximo, porque de todo esse tempo, nenhum segundo se repetirá.

Amizades feitas na fila da matrícula, momentos preciosos compartilhados. Risos no laboratório, noites em claro, on line, trocando ideias e sugestões para melhorar nossos trabalhos, tardes intermináveis de estudo e exaustão. Que entretanto terminaram! Mais rápido do que imaginávamos. Mas que deixaram marcas reais em todos nós, que deixaram em nós o que somos agora.



Todas as palavras do mundo seriam insuficientes para descrever tudo isso que vivemos, que fizemos e que agora relembramos. Mas eu não poderia deixar de escrever algo a essas pessoas que tanto contribuíram nessa caminhada. Não poderia deixar de relembrar e agradecer o quanto foi importante o apoio durante tempos tão duros. Este texto pequeno e simples é uma homenagem a cada um de vocês, a cada um de nós, aos nossos familiares e amigos que nos apoiaram durante essa guerra e também aos que infelizmente não permaneceram entre nós para presenciarem daqui de perto este tão pequeno e importante passo que demos.



Particularmente, eu poderia ter percorrido outros caminhos e escolhi esse, mas não fiz nada disso só por mim. Fiz também pela minha família, que me fez descobrir o gosto pelos estudos e pela natureza, fiz também para vocês, meus colegas, para que cada palavra minha dita em sala, num trabalho, numa discussão, não fosse simples falácia, mas uma tentativa de somar nossos conhecimentos, de hibridizar nossas perspectivas e ajudar no nosso avanço (perdoem se eu não consegui, mas eu realmente tentei fazer isso!). Fiz por um ideal; o ideal de que a transformação do mundo passa necessariamente por uma transformação em nós mesmos. É a nós que temos que mudar, melhorar. E o que fiz por mim, foi fazer o que eu tanto amo: Biologia. Sim, há muitas coisas que amamos nesse mundo, mas para mim, a biologia é um elo entre todas e entre mim e vocês.


E que fique aqui registrado, que pela UEPB passou uma turma de guerreiros, de estudantes ousados e barulhentos, marrentos até e que durante cinco anos eles lutaram com todas as forças contra limitações pessoais e institucionais, contra toda forma de subestimação, desafios e costumes inveterados. Que eles, apesar de muita dificuldade, alçaram vôos longos em ventos inconstantes para alcançar novos horizontes, servindo para mostrar que estavam errados aqueles que diziam que eles não iriam longe. Talvez, você ainda veja algum deles na UEPB (no mestrado, para os que farão por lá, ou então os que deixaram o TCC para o semestre seguinte –como eu, que com o TCC nos últimos ajustes, resolvi mudar minha linha de pesquisa e entrar de cabeça na Genética)... São só detalhes. De todo modo, esse povo é muito especial, uma mistura de grandes mentes e fortíssimas personalidades, que levarei comigo para onde eu for. Muito obrigado, aos amigos e professores, todos foram fundamentais e cada um, inesquecível!

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