Herbert C. S. Araújo
O Field Museum, de Chicago, Estados Unidos, apresentou recentemente
os resultados de uma pesquisa feita por sua equipe de cientistas na Amazônia brasileira
que representa um grande avanço na compreensão dessa floresta tão grandiosa e
tão agredida. A matéria exibida no site do Field Museum sob o título “THE
AMAZON’S BLACK BOX” traz dados importantes sobre os quais faremos um breve
comentário aqui no Metalink, afinal, o Brasil perde bilhões a cada ano
simplesmente por não cuidar da sua biodiversidade e nem ao menos conhecê-la
adequadamente.
Os patriotas
que me perdoem, mas nós, brasileiros, deveríamos agradecer essa “invasão” estadunidense
na floresta amazônica. O Field Museum está de parabéns! Essa é uma iniciativa
que não deve causar indignação, mas sim servir de exemplo (entre tantos outros)
para que vejamos que se os estrangeiros estão a tanto tempo investindo pesado
em pesquisas nas nossas florestas, é porque elas são importantes mesmo, e o Brasil
tem que valorizar a pesquisa científica voltada para seu patrimônio biológico se
não quiser ficar mais para trás do que já está. Enquanto o governo brasileiro tenta
destruir uma vasta área de floresta ao construir a usina de Belo Monte, no Pará,
para suprir uma demanda que é mais do interesse empresarial que da matriz energética
propriamente dita, os estrangeiros, que são sempre mais inteligentes, vêem uma
riqueza muito maior: o patrimônio biológico, que é a riqueza de um país na
forma de biodiversidade.
VAMOS AOS DADOS...
Primeiro os números: segundo o site, o
número estimado de árvores na Amazônia se aproxima do número de estrelas da Via
Láctea – MEIO TRILHÃO DE ÁRVORES! O número
de espécies também é bem grande: 16 000 ESPÉCIES de árvores. Relacionando alguns
outros números, podemos ver a ameaça de extinção: metade de todas as árvores na
Amazônia pertence a apenas 227 espécies, o que significa, em termos ecológicos,
uma diversidade total de apenas 1,4%. Pois é, a diversidade da Amazônia é
bastante baixa, falando nestes termos, embora possamos falar que é uma floresta
rica em número de espécies. Sim, mas o que isto significa?
Quer
dizer que enquanto algumas espécies de árvores possuem uma grande população,
existem muitas espécies que apresentam poucos exemplares (chamados de “indivíduos”
na ecologia de populações) e o estudo revelou que na floresta amazônica existem
6 000 espécies de árvores que correm risco de extinção porque suas populações
apresentam menos de 1000 indivíduos por espécie. Mil árvores é um número muito
pequeno para representar uma espécie. Na verdade, uma população desse tamanho, com
uma área de distribuição restrita, pode desaparecer em um único desmatamento (na
criação de uma nova fazenda ou uma hidrelétrica, por exemplo).
Falando
de maneira ainda mais clara: só com base nesses dados já temos seis mil
espécies de árvores amazônicas que apresentam-se em condições de entrar para a “Red
List”, que é a Lista de Espécies Ameaçadas, da IUCN (União Internacional para a
Conservação da Natureza).
Quanto vale,
em dinheiro, esse monte de planta?
Os
valores totais são realmente incalculáveis, mas tomemos um único exemplo, o
exemplo da indústria farmacêutica. Eu assisti há poucos dias a uma palestra de
um pesquisador da área da fitoquímica (que estuda os componentes químicos das
plantas), o Prof. Dr. Emídio Cunha e ele falou que a última vez que o seu grupo
de pesquisa isolou um fármaco de uma espécie de planta (e elas possuem muitas
substâncias úteis), a patente foi vendida por 50 milhões de libras esterlinas mais um milhão por ano durante
vinte anos! Isso é só o valor imediato de uma única substância de uma planta!
Lembra que a Amazônia possui meio trilhão de árvores e 16 000 espécies? Essas
árvores podem gerar muito dinheiro sem ser derrubadas. Sem falar nas espécies
animais!
E a energia elétrica? Bem, vamos fazer de conta
que o sol que irradia aqui no Brasil e os ventos que sopram não sejam
suficientes para que se complemente nossa matriz energética. Por que construir
uma usina daquelas no meio da Amazônia? Ta na cara que por questões de acesso, capacidade
de armazenamento a longo prazo, declividade e condições ambientais diversas,
aquela usina foi projetada para o pior lugar possível! Não há solução
tecnológica capaz de compensar a perda irreversível de informação e
biodiversidade, sem falar também nos incontáveis conflitos sociais gerados.
E como seria
se o Brasil também investisse mais na pesquisa?
Bem, de uma
única vez, foram reveladas por pesquisadores brasileiros (em um esforço heroico
e raro num país como o nosso, que não é de grandes investimentos na pesquisa,
ao menos não tanto quanto se necessita) esse ano 15 novas espécies de aves descobertas
na Amazônia! Foi esforço coletivo do Impa (Instituto Nacional de Pesquisas
Amazônicas), Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), de Belém, Museu de Zoologia
da USP e Museu de Ciência Natural da Universidade Estadual da Louisiania
(LSUMNS), Estados Unidos. Pois é, os Estados Unidos sempre tomam parte nas
pesquisas e temos mais é que agradecer, não é por acaso que o Field Museum
lidera nas pesquisas com árvores amazônicas: talvez, os brasileiros que
trabalham para o Field Museum, dificilmente receberiam condições tão boas para
trabalhar se dependessem do governo brasileiro, já que a maior iniciativa para
o estudo da botânica se deu no Período Imperial, com a construção do Jardim
Botânico do Rio de Janeiro (esta república, como disse Fritz Müller, não é
melhor que o império, do ponto de vista científico).
É
corriqueiro os brasileiros reclamarem calorosamente do interesse dos estrangeiros
na Amazônia, mas não se dão ao trabalho de pensar no descaso que nós,
brasileiros, temos com uma questão tão crucial para o desenvolvimento
científico, político e econômico do país, que é conhecer melhor o nosso incalculavelmente
rico patrimônio biológico. Eu concordo que a gente não deve entregar a Amazônia
para os estrangeiros, mas se não fosse por eles, A GENTE NEM TERIA IDEIA DA
IMPORTÂNCIA DA AMAZÔNIA, AFINAL, O BRASIL É O CÚMULO DO ATRASO E
DESVALORIZAÇÃO DA PESQUISA CIENTÍFICA.