A
zona rural, além de possuir relevância econômica dado o fato de participar
decisivamente da produção de alimentos e matéria prima, possui uma variedade de
espécies (inclusive a nossa) que convivem em estreitas relações. O texto a
seguir, se refere à região situada entre os municípios de Lagoa Seca e Matinhas (na Microrregião do Brejo do estado da Paraíba, onde ocorre uma bela vegetação chamada Brejo de Altitude, uma extensão da Mata Atlântica) onde há predomínio da agricultura familiar e ocorre uso freqüente da fauna e
flora para diversas finalidades. Longe da pretensão de dar conta de todos os
detalhes, trata-se de uma ligeira e parcial descrição da realidade local, complementada
por uma reflexão a respeito da falta de atenção para com as potencialidades e
problemas da região onde mais se produz laranja no estado da Paraíba
A percepção do
ecossistema
Ainda que desprovido da aparência “selvagem” existente
nos ambientes menos alterados, o meio rural possui uma biodiversidade
característica e rica, da qual nem sempre se toma conhecimento (mas a partir da
qual se pode fazer uma ideia dos prejuízos decorrentes de um manejo
inadequado). Por vezes, o ambiente rural nem mesmo é tido como um ecossistema a
ser protegido, sendo assim degradado até mesmo por aqueles que dele dependem.
Há que se reconhecer que as terras cultivadas não são destituídas de vida, mas constituem suporte para reprodução e manutenção de uma biota digna de nota –ainda que nem sempre notada- apresentando valores econômicos, recreativos, recursos naturais e que, por sua vez, contribui para as boas condições de solo, do ar, da umidade adequada e todos os diversos serviços ecossistêmicos. As laranjeiras, que abundam nas propriedades rurais localizadas entre os municípios de Lagoa Seca e Matinhas, são um exemplo de como a fauna pode conviver com a produção. Já é sabido que ocorrem diversos insetos, inclusive abelha e outros polinizadores, além de coleópteros, dípteros, lepidópteros e uma grande variedade que, se enumerada, alongaria a lista. A presença das aves também é evidente, de modo que a mais ligeira observação revela a presença de várias espécies: bem-te-vi, sanhaçu, tico-tico, rolinha, golado (coleiro) e papa-capim (sendo que estes dois últimos aparecem no período chuvoso). Um exemplo clássico é o da ave que de tão familiarizada com o meio, recebeu o nome de sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris). Nessas plantações, nidificam e se alimentam várias espécies além das supracitadas (que o digam as crianças, que capturam muitos pássaros canoros nas laranjeiras).
Há que se reconhecer que as terras cultivadas não são destituídas de vida, mas constituem suporte para reprodução e manutenção de uma biota digna de nota –ainda que nem sempre notada- apresentando valores econômicos, recreativos, recursos naturais e que, por sua vez, contribui para as boas condições de solo, do ar, da umidade adequada e todos os diversos serviços ecossistêmicos. As laranjeiras, que abundam nas propriedades rurais localizadas entre os municípios de Lagoa Seca e Matinhas, são um exemplo de como a fauna pode conviver com a produção. Já é sabido que ocorrem diversos insetos, inclusive abelha e outros polinizadores, além de coleópteros, dípteros, lepidópteros e uma grande variedade que, se enumerada, alongaria a lista. A presença das aves também é evidente, de modo que a mais ligeira observação revela a presença de várias espécies: bem-te-vi, sanhaçu, tico-tico, rolinha, golado (coleiro) e papa-capim (sendo que estes dois últimos aparecem no período chuvoso). Um exemplo clássico é o da ave que de tão familiarizada com o meio, recebeu o nome de sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris). Nessas plantações, nidificam e se alimentam várias espécies além das supracitadas (que o digam as crianças, que capturam muitos pássaros canoros nas laranjeiras).
As bananeiras são preferidas pelos
sagüis e sanhaçus, de regime alimentar frugívoro, ou insetívoro - neste caso,
exercendo importante papel no controle dos insetos (o sabiá também se faz
presente), além de outros organismos que preferem lugares frios e sombreados,
que ocorrem também sob as árvores frutíferas maiores, em cujas copas pousam
espécies mais ariscas, como, a título de exemplo, gaviões e o carcará. Os
pica-paus perfurando os galhos indicam a presença de insetos no interior das
árvores cultivadas.
Mesmo no pasto (onde as alterações
são mais intensas), há espécies que tiram proveito do ambiente mais aberto: roedores,
répteis, plantas heliófilas e outro exemplo de destaque é o anu, cuculídeo que ajuda o gado a se
livrar dos parasitos, constituindo assim mais um exemplo típico de adaptação
da fauna ao meio produtivo.
Cadeia alimentar em propriedade rural: cobra-verde (Colubridae) alimentando-se de uma lagartixa comum à sombra de um coqueiro. |
Está por certo que essas propriedades
rurais não possuem dimensões suficientes para manter populações significativas
de espécies que exigem maior território, decorrendo daí um fato interessante:
os diversos ambientes que ocorrem no meio rural estão conectados, formando um
ambiente complexo, um conjunto de pastos, plantações, vestígio de vegetação
nativa, barragens e, no caso da região em foco, o rio Mamanguape (que com sua
beleza, sítio arqueológico e cachoeiras, atrai visitantes periodicamente).
Animais que ocorrem nas plantações e pastos fazem incursões nas matas, bem como
animais que se abrigam nas matas podem, por vezes, buscar (e buscam) abrigo e
alimento nas propriedades rurais, podendo daí decorrer um controle natural de
pragas ou uma competição por recursos, dependendo da espécie. Além disso,
cágados, anfíbios, algumas aves e insetos (são só alguns exemplos) transitam
entre ambientes aquáticos e terrestres. Toda essa dinâmica conecta
biodiversidade, áreas cultivadas, recursos e condições do meio abiótico,
fazendo do meio rural um rico ecossistema no qual as fronteiras entre o natural
e o artificial se confundem (se é que algum dia elas existiram).
A percepção dos problemas
O
fato de uma convivência ser necessária não garante que ela seja harmoniosa.
Embora as comunidades tradicionais tenham, há muito, convivido com muitas
espécies e mesmo as utilizado sem causar sua extinção, a utilização nem sempre
ocorre de maneira ótima. Por outro lado, a ocorrência de conflitos em tal
relação, não significa necessariamente que eles sejam inerentes a ela.
Visto
que na maioria das vezes os produtores rurais não são assalariados, a
importância econômica do meio ambiente para essas pessoas se dá basicamente de
duas formas: a) O ecossistema constitui a fonte de renda (comercialização). b) O ecossistema, ao
prover recursos como alimento, combustível, material de construção e até mesmo
remédio, permite que sejam diminuídos os gastos que ocorreriam com a compra de
tais recursos (uso direto). Mas muitas vezes, dessa importância não decorre a conservação, mas sim
a degradação dos recursos como resultado da exploração desmedida.
Tal
situação pode ser exposta por meio de um exemplo concreto como o da sabiá (agora uma planta: Mimosa caesalniifolia), uma leguminosa. Árvore comum na
região, cuja madeira fornece boas estacas para as cercas. Devido à qualidade, as
estacas possuem um bom valor no comércio, sendo assim um recurso que pode gerar uso e renda. Além disso, pode ser usada direto na construção das cercas pelos
agricultores e criadores que, não precisando comprar estacas, economizam nos
gastos com as cercas. A espécie é muito útil e conhecida, no entanto, uma área onde
ela ocorre em abundância não é vista como um ambiente a ser conservado para (e
por) uma utilização cuidadosa. O que em verdade ocorre é que muitas vezes a
vegetação é completamente varrida pela prática das brocas (trabalho tradicional
no qual a vegetação é derrubada por completo, aproveita-se –ou não- parte da
madeira e ateia-se fogo ao restante, sobrando apenas cinzas e um solo
desprotegido das agressões do meio, sobre o qual, a duras penas, deverá crescer
um pasto, uma plantação ou uma nova vegetação). Por vezes ocorre um uso mais
moderado, com a retirada da madeira ocorrendo gradualmente de acordo com a
demanda, mas mesmo nesses casos, há que se fazer mais.
Muitas
são as espécies úteis conhecidas pelos habitantes locais, como cabatam,
aroeira, cicupira... Mas ainda que apresentem potencial na construção,
ornamentação ou mesmo terapêutico, tais espécies não são objeto de cuidado por
parte de quem as utiliza (pelo menos na maioria dos casos). À medida que vai
diminuindo a vegetação original, recursos da fauna e da flora vão se tornando
igualmente escassos. No entanto, não são realizados esforços para manutenção
dessas espécies. O consórcio de espécies nativas com produtos agrícolas se faz
possível em cercas vivas, sistemas de quebra-vento (que também funciona como
defesa natural contra pragas na lavoura ao mesmo tempo em que diversifica a
produção) e em uma série de alternativas igualmente viáveis. Mesmo assim,
persiste a visão de que o que é “do mato” não deve participar do processo
produtivo, daí não se plantar ou proteger espécies nativas, mesmo quando elas são úteis: é
só mato; e mato, não se planta.
É bem verdade que
as percepções se dão de modos variados e que é complicado supor quais idéias
são razoáveis e quais são meros preconceitos. No entanto, é coerente afirmar
que a biodiversidade (bem como os demais recursos naturais) é indispensável à
manutenção da humanidade e isso deve ser levado a sério. Também é razoável prever a escassez desses recursos
perante exploração excessiva. Em se tratando do espaço rural, essas questões
são particularmente importantes por estarmos tratando das regiões onde ocorre a
produção de alimentos que vão abastecer os demais setores da sociedade.
Herbert Crisóstomo dos Santos
Araújo
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