Bactérias, humanos e arte
Rafael Campos
O paleontólogo agnóstico Stephen
J. Cloud na tentativa de debelar o orgulho dos seres chamados humanos escreveu:
“as bactérias nos fazem acreditar que dominamos o mundo, mas estavam aqui muito
antes de nós, certamente sobreviverão a nós, prosperam em espaços íntimos no
interior de rochas a três quilômetros abaixo do solo. […] Se se valoriza a
consciência, faz-se do homem o mestre do mundo. Se a longa duração e os grandes
números forem valorizados, as bactérias nos dominam incontestavelmente. […] O
ser humano não possui nenhum estatuto privilegiado e não constitui em nada o
apogeu da evolução. As bactérias sempre foram a forma dominante de vida.[1]
Pois é, valorizando a duração
estamos perdidos. Nossa existência (de um ponto de vista naturalista) é
efêmera: vivemos pouco, se comparados com a idade do universo (13,7 bilhões de
anos) e com a do nosso lar, a Terra (4,5 bilhões de anos). Num episódio do
“Snoopy” a garotinha Lucy fica enfurecida ao ver Linus dançar com o Snoopy e
diz que ele não vai ter futuro se ele ficar se comportando daquela maneira. Ao
que ele retruca dizendo: “daqui a 500 anos ninguém vai ligar mesmo”. Isso
reflete a realidade. Além de vivermos pouco nossa existência é ignorada pela
grande maioria. É difícil pensar isso, mas há 50 anos muitos de nós nem
estávamos aqui, e a Terra e tudo o mais seguiam seu caminho sem você, e daqui a
50 anos outros tantos milhões também não estarão mais aqui. O negócio fica mais
frustrante se falarmos das contingências existenciais.
Mas estamos aqui. E é animador
pensar que dentre mais ou menos 300 milhões de espermatozoides “eu sou o
vencedor”, um milagre, tecnicamente falando. A despeito do propósito de exaltar
as bactérias... tenho minhas considerações. Até onde se sabe, as bactérias não
tem sentimentos, nem sequer “sabem, mas se adaptam, vivem muito, e blá blá blá…
Mas nós, humanos, amamos! Vemos beleza e ansiamos por ela. Produzimos arte:
música, música, poesia, literatura, esportes... and so on. Somos nós quem
choramos ao ver nossos filhos nascerem com saúde e beleza; rimos com suas
brincadeiras; nos emocionamos com uma música do Chico Buarque; rejeitamos a
música pobre e horrorosa do Parangolé (e aqui eu desconsidero as considerações
de Michel Foucault quando ele tenta igualar no mesmo patamar as produções
culturais, afirmando que não pode haver algo intrinsicamente melhor ou pior, se
eu o entendi bem); ansiamos pelo futuro, por melhoras; temos sonhos, por isso
vivemos; adoramos ver a aurora boreal mesmo que pela internet, ou um rabo de um
pavão. Então pouco me importa se uma bactéria vive 900 anos, prefiro viver 60
com beleza, ternura e o amor de minha amada.
Sugestões de leitura
Cachorros de palha –
John Gray
Simplesmente cristão
– N.T. Wright
4 comentários:
Achei muito interessante! muito bom.
Quando Deus disse: "Façamos o homem, nossa imagem, conforme nosssa semelhança" creio que foi essa capacidade de apreciarmos a criação, de nos sentirmos gratos por sermos parte dela e ao mesmo tempo filhos do Criador.
O texto é incrível, porque nos mostra o quão belo é ver a aurora boreal, ou só o orvalho assim que acordamos... em fim, a Vida :)
Você não é um espermatozóide vencedor, aliás, não há um vencedor... há um exemplo de solidariedade que perdemos quando nos tornamos humanos... não há uma disputa como se preconiza... há um processo coletivo que tem um fim único: gerar um ser.
Gostei do texto... com ressalvas... não parece que a terra tem a idade que se afirma ter... nem mesmo o universo tem a idade... se assim for possível afirmar-se em termos de tempo, espaço e outras dimensões. Ainda, "há mais mistérios sobre o céu e a terra do que possa imaginar nossa vã filosofia!"...
Estou de acordo, quanto às ressalvas sobre a idade da Terra. Mas veja bem Brito, alguns cientistas afirmam a idade "velha" da terra com base em dados científicos, e logo fazem conclusões à este respeito. Mas existem outros cientistas, neste caso alguns criacionistas (não necessariamente religiosos) que afirmam que a terra é jovem, como no máximo 12 mil anos. Penso que muita coisa na ciencia causa discordância e divisões, então o que fiz? Tomei emprestado o dizer de alguns cientistas e arrisquei, é o q todos fazemos, pois afinal a palavra certeza é a mais embaraçosa. Mas gostei d receber os comentários de um leitor perspicaz como você. Isso me deu uma ideia para outro possivel texto. Abraço.
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