terça-feira, 6 de maio de 2014

Mundologia


Os Sentidos e a Percepção da Realidade 

                                                                                                                                    Herbert C. S. Araújo


Será a nossa percepção do mundo condizente com a realidade que nos cerca, ou projetamos para o mundo o que a nossa mente produz? Talvez, ambos sejam verdade. Os únicos canais que ligam o ambiente externo ao sistema nervoso são os órgãos sensoriais. As sensações, são parte de nossa experiência subjetiva e aparecem quando os sinais captados do ambiente pelos órgão são enviados a regiões específicas do cérebro, gerando a percepção de um fenômeno subjetivo (processamento) estritamente ligado ao estímulo captado. Nossos referenciais internos são uma parte importante no processo de percepção do ambiente. 


Uma experiência estranha  


Cortamos a borda do olho de um girino e, sem tocar no nervo óptico, giramos o olho até completar 180 graus. Deixamos que o animal operado complete seu desenvolvimento larval e sua metamorfose até se tornar adulto. Então mostramos um verme ao nosso sapo de laboratório, tomando o cuidado de cobrir o olho virado. Ele tira a língua para fora e acerta em cheio o alvo. Repetimos o experimento, desta vez cobrindo o olho normal. Vemos então que o animal projeta a língua com um desvio de exatamente 180 graus. Ou seja, se a presa está abaixo e na frente do animal, este projeta sua língua para cima e para trás. Toda vez que repetimos o teste, o sapo comete o mesmo erro, fazendo um desvio de 180 graus (...). 



O experimento revela de maneira dramática que para o animal não existe acima e abaixo, ou frente e trás, em relação ao mundo exterior, como existe para o observador que faz o estudo. Existe apenas uma correlação interna entre o lugar de onde a retina recebe uma determinada perturbação e as contrações musculares que movem a língua, a boca, o pescoço e, em última instância, todo o corpo do sapo. (A Árvore do Conhecimento; Maturana & Varella -1995).






Um outro ponto demonstrado nesta experiência (entre tantos que poderíamos discutir), é que o comportamento e reação a estímulos ambientais depende da recepção e processamento desses estímulos pelo organismo. Qual a abrangência de tais processos? 





Recepção sensorial  

Tudo começa com as células receptoras (que ocorrem nos órgão sensoriais), cujas membranas são especializadas em reagir a um tipo específico de energia (luz, som, eletricidade, magnetismo...), que constitui a modalidade sensorial. Ou seja, parte do processo depende da energia oriunda do ambiente, parte da nossa sensibilidade. Com base na forma de energia aos quais são sensíveis, dá-se nome aos tipos de receptores: quimiorreceptores, mecanorreceptores, eletrorreceptores, termorreceptores e fotorreceptores, por exemplo.  

Receptores internos (interoceptivos) respondem a sinais de dentro do corpo, como os proprioceptores, que monitoram a posição dos músculos e das articulações. Sistemas receptores internos, são importantes para fornecer ao cérebro informações sobre o estado do corpo (como o estado químico ou térmico) e sua posição no espaço. 

Por exemplo, um inseto não possui estatocisto (estrutura para a percepção da gravidade que ocorre em muitos invertebrados) e em parte, ele orienta-se sobre sua posição com base na posição de suas articulações (um referencial interno). Por ouro lado, os insetos e alguns outros artrópodes são sensíveis à luz polarizada devido a um arranjo específico das microvilosidades do rabdômero (presentes nos omatídios dos seus olhos como parte dos fotorreceptores), o simples detalhe do arranjo perpendicular entre essas microvilosidades dá a esses animais a capacidade de se orientarem no espaço pela polaridade da luz, à qual somos, por assim dizer, insensíveis. 

Às vezes, subestimamos o modo como nossos órgãos dos sentidos, sistema nervoso, nosso cérebro e nossa mente podem interferir na maneira como enxergamos o mundo lá fora. É muito comum que nós mostremos o nosso ponto de vista como sendo o “certo” ou a “realidade”. Normal. O que não podemos esquecer, é que um ponto de vista é a visão de um ponto; simplesmente podemos estar iludidos por sensações e uma série de fatores internos (fisiológicos, psicológicos ou mesmo culturais) que afetam nossa percepção do mundo. Mais uma vez, a natureza nos mostrando como podemos aprender com ela.

sábado, 3 de maio de 2014

Chuva no Brejo

Igreja Matriz em Lagoa Seca, no Brejo paraibano, durante
a chuva. 

                                   Herbert Araújo

      Esperada por alguns, temida por outros, ela chegou. Mudança no tempo, na rotina, nas roupas que vestimos, na paisagem que enxergamos. Vem a chuva e não sabemos ainda com que freqüência ou intensidade ela continuará nos visitando, mas seus primeiros sinais já despertam um misto de esperança e precaução. 

         Na Microrregião do Brejo da Paraíba, a umidade vinda do Oceano Atlântico que é trazida para o Planalto da Borborema (geralmente sob influência da Zona de Convergência Intertropical), converte-se em chuva e molha sua rainha, Campina Grande, bem como as cidades vizinhas. Elas passam agora a apresentar prenúncios da chegada de uma característica comum e ao mesmo tempo especial: o agradável frio das serras, que aos poucos já se faz sentir pelos seus habitantes.

Historicamente e por experiência, sabemos que as chuvas na porção leste da Região Nordeste se concentram, com algumas variações anuais, entre o outono e o inverno (março a julho, às vezes persistindo em agosto). Este período, em que o tão agradável frio nos visita, requer de nós uma série de cuidados com nossa saúde, nossas estradas, nossas casas, enfim, com quaisquer problemas ambientais que possam emergir dessas águas. Muitas vezes, os jornais noticiam coisas do tipo “Chuva provoca deslizamento de terra...”, mas não deveríamos culpar a chuva pelos problemas na nossa infra-estrutura urbana ou outros causados por diversas imprudências nossas, como as cometidas nas estradas (que também requerem mais atenção na chuva).



Na agricultura, especialmente para o pequeno agricultor, que é maioria por aqui e não possui maiores tecnologias para sua produção, a água da chuva faz toda a diferença e sem ela ele pouco pode fazer para converter a água do seu suor em lavoura produtiva e gado nutrido. A fisiologia das plantas nos ensina que mais água transpirada é mais produção de matéria viva, de biomassa, de alimento para todos nós. A experiência nos ensina que na falta de chuvas, morre muito gado nos rebanhos nordestinos, criadores e agricultores mudam de destino, rumam em direção austral por não terem outros horizontes quando as chuvas não chegam do Leste, nem do Oeste, nem do Norte.

A chuva não é um problema, problema é a má qualidade das nossas ruas, nossa falta de planejamento urbano, de saneamento básico e de justiça social (em qualquer cidade, qualquer tempo). Problemas são as nossas limitações em todas as circunstâncias. Perigoso, é o casamento da má qualidade das estradas com a imprudência dos motoristas ou do desmatamento das nossas florestas com a falta de opções de moradia: a chuva apenas baixa a poeira levantada pela nossa rotina e que nos impede de ver o quanto precisamos desses ventos úmidos, frios e desafiadores que agora irrigam o Brejo.

          E longe dos nossos olhos, em outros brejos, nas lagoas, nas várzeas, ou no Brejo de Altitude, anfíbios coaxam à noite no prelúdio de sua proliferação, as aves, em sua sinfonia matinal, executam a música de fundo que desperta os embriões das sementes a deixarem sua dormência árida para nos devolver o esperançoso verde das folhas. O verde musgo, o verde lodo, o verde da grama, o verde das plantas, o verde das algas... Todos filhos das mesmas águas. Criações, criadores, produtos e produtores que misturam a esperança com o verde que se espalha com os primeiros sinais de chuva. E quando ela vier, que seja bem vinda!