História, passado, ficção
e verdade
Rafael
Campos
Não
estou certo se o título acima faz sentido. Mas apostei nele, afinal fazemos
apostas todos os dias. Aqui gostaria de fazer visível uma diferença entre os
termos, que será muito útil para quem ler um texto de História. Desde já peço
perdão aos acadêmicos, não escrevi para eles, portanto não sou rigoroso no
texto, e também aos teóricos que trabalharam tão exaustivamente sobre a
temática.
História
e passado são coisas distintas. Repito: História e passado não se confundem.
Aceito aqui a definição de passado como sendo tudo o que ocorreu antes do
presente. Já História, e aqui o problema é grande, se refere a um texto.
Simples né? Nem tanto. Pois, a maioria das pessoas ao lerem um livro de
história acha que leram o que de
fato ocorreu. Ilusão. O passado em
sua totalidade é
inverificável. Não se pode ir até ele (viajar no tempo), pelo menos até agora,
e mesmo se fosse possível, seríamos expectadores, e narraríamos uma versão do
que vimos. Não se escandalize leitor, quando faço essa distinção. Pense apenas
quando várias pessoas contam uma versão de uma briga... Aqui eu concordo com a
tese de um inglês chamado Keith Jeinks. Vejamos melhor o raciocínio
A
História é um texto escrito e assinado por um autor. O passado é algo que
ocorreu. São coisas distintas. O que um historiador faz então? Acompanhe-me: um
historiador não vai ao passado (pelo menos não diretamente, a não ser por meio
da memória, sobre isso leitor, você pode verificar as teses de Santos Agostinho
e R.G Collingwood; paro por aqui pra não me alongar mais), mas sim até
documentos, geralmente impressos; consulta pessoas através de depoimentos
orais; analisa seus dados recolhidos e ordena-os, construindo, portanto, uma
trama. Depois manda pra editoras que irão revisar o texto e possivelmente publicá-lo. Isto se chama historiografia, ou seja, a
escrita de uma história, que não é o passado
em si, mas uma versão dele.
Olhando
de perto imagine se alguém fosse escrever sobre o que ocorreu na 2ª guerra
mundial do ponto de vista dos Judeus, o texto poderia resultar num relato de
sofrimento e angústia. Se outra pessoa escrevesse sobre o os comandantes
militares, a história contada seria de suas vitórias, angústias, estratégias de
guerra e etc. Se ainda outro alguém escolhesse escrever sobre combates navais,
o texto resultaria num relato do que eles encontram sobre os mesmos relatos.
Cada história aqui é uma escolha, um ponto de vista, um referencial.
Com
isso não quero dizer que não existe verdade, mas que não descobrimos o passado em si necessariamente quando lemos um
texto de história, porém uma
versão dele. Não estou dizendo que não existe fato histórico, mas que ainda
sim, este, é resultado apenas de um acordo “universalmente” aceito entre os
historiadores. Por exemplo: é um fato histórico a chegada de estupradores
portugueses aqui no Brasil em 1500, mas mesmo assim é fato porque os
historiadores profissionais chegaram a um consenso e aceitam esta versão como
fato através de diálogo racional e apresentação de provas. Neste caso, o
estatuto epistemológico da Verdade é de importância crucial para a História. E
neste caso me parece que, eu não estou certo disto, Verdade em História
corresponde à uma hipótese ou trabalho sobre algo bem fundamentada e de ampla
aceitação entre os historiadores.
Então
a História é a aceitação de uma ou outra versão, a qual se apresentar mais
racional, de um relato acerca de um objeto estudado. Digo mais racional, pois,
mesmo não podendo ir ao passado, penso ser mais racional acreditar que em 1964
houve uma tomada de poder pelos militares no Brasil, mesmo sem eu ter vivido
neste período, pelo fato de que muitos historiadores atestam este acontecimento
com documentos, relatos de vida, imagens e outros vestígios. A explicação mais
racional é a que vai entrar
para história. Quem não aceitar a versão terá de arcar com o ônus da prova
que, conforme as regras jurídicas, é da acusação. Então alguém que nega que o
Brasil foi Tetra campeão em 1994 e que Galvão gritou feito cantor de Grunge
neste dia, terá de arcar com o peso de elaborar uma melhor explicação para os
VHS filmados na época, as medalhas, o fato de o Brasil ser penta hoje (como
poderia ter sido penta, sem tetra?) e por aí vai. Portanto, os céticos não
podem simplesmente negar alguma versão da história ou algo do passado.
Um
texto histórico é um texto de ficção? Sim e não. “A História também é ficção do
presente”. Sim, pois é fruto de leituras de vestígios + interpretação +
imaginação e enredo. Não, pois seu referencial será sempre o real, o que
aconteceu. Muitos apostam que um texto histórico é pura ficção, eu penso que
isto seja uma tolice pura: um texto dito histórico se refere a um real que
ocorreu no tempo, mesmo que não possa alcança-lo. Um texto de ficção se refere
a um real imaginário.
Espero
ter tido sucesso em demonstrar o paradoxo que também pode ser antinomia ou
ainda contradição. Faça sua escolha.
Sugestões de leitura para quem quer se
aprofundar no assunto:
Desde já advirto: terás muitas dores de
cabeça!
A escrita da História – MICHEL DE CERTEAU
Como Se Escreve a História – PAUL VEYNE
Tempo e Narrativa I – PAUL RICOEUR
História & Teoria – JOSÉ CARLOS REIS
Teoria & História – JOSÉ CARLOS REIS
História: A Arte De Inventar o Passado – DURVAL MUNIZ DE ALBUQUERQUE JÚNIOR
Repensando a História – KEITH JEINKS
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