segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

História, passado, ficção e verdade



História, passado, ficção e verdade


Rafael Campos

Não estou certo se o título acima faz sentido. Mas apostei nele, afinal fazemos apostas todos os dias. Aqui gostaria de fazer visível uma diferença entre os termos, que será muito útil para quem ler um texto de História. Desde já peço perdão aos acadêmicos, não escrevi para eles, portanto não sou rigoroso no texto, e também aos teóricos que trabalharam tão exaustivamente sobre a temática.
História e passado são coisas distintas. Repito: História e passado não se confundem. Aceito aqui a definição de passado como sendo tudo o que ocorreu antes do presente. Já História, e aqui o problema é grande, se refere a um texto. Simples né? Nem tanto. Pois, a maioria das pessoas ao lerem um livro de história acha que leram o que de fato ocorreu. Ilusão. O passado em sua totalidade é inverificável. Não se pode ir até ele (viajar no tempo), pelo menos até agora, e mesmo se fosse possível, seríamos expectadores, e narraríamos uma versão do que vimos. Não se escandalize leitor, quando faço essa distinção. Pense apenas quando várias pessoas contam uma versão de uma briga... Aqui eu concordo com a tese de um inglês chamado Keith Jeinks. Vejamos melhor o raciocínio
A História é um texto escrito e assinado por um autor. O passado é algo que ocorreu. São coisas distintas. O que um historiador faz então? Acompanhe-me: um historiador não vai ao passado (pelo menos não diretamente, a não ser por meio da memória, sobre isso leitor, você pode verificar as teses de Santos Agostinho e R.G Collingwood; paro por aqui pra não me alongar mais), mas sim até documentos, geralmente impressos; consulta pessoas através de depoimentos orais; analisa seus dados recolhidos e ordena-os, construindo, portanto, uma trama. Depois manda pra editoras que irão revisar o texto e possivelmente publicá-lo. Isto se chama historiografia, ou seja, a escrita de uma história, que não é o passado em si, mas uma versão dele.
Olhando de perto imagine se alguém fosse escrever sobre o que ocorreu na 2ª guerra mundial do ponto de vista dos Judeus, o texto poderia resultar num relato de sofrimento e angústia. Se outra pessoa escrevesse sobre o os comandantes militares, a história contada seria de suas vitórias, angústias, estratégias de guerra e etc. Se ainda outro alguém escolhesse escrever sobre combates navais, o texto resultaria num relato do que eles encontram sobre os mesmos relatos. Cada história aqui é uma escolha, um ponto de vista, um referencial.
Com isso não quero dizer que não existe verdade, mas que não descobrimos o passado em si necessariamente quando lemos um texto de história, porém uma versão dele. Não estou dizendo que não existe fato histórico, mas que ainda sim, este, é resultado apenas de um acordo “universalmente” aceito entre os historiadores. Por exemplo: é um fato histórico a chegada de estupradores portugueses aqui no Brasil em 1500, mas mesmo assim é fato porque os historiadores profissionais chegaram a um consenso e aceitam esta versão como fato através de diálogo racional e apresentação de provas. Neste caso, o estatuto epistemológico da Verdade é de importância crucial para a História. E neste caso me parece que, eu não estou certo disto, Verdade em História corresponde à uma hipótese ou trabalho sobre algo bem fundamentada e de ampla aceitação entre os historiadores.

Então a História é a aceitação de uma ou outra versão, a qual se apresentar mais racional, de um relato acerca de um objeto estudado. Digo mais racional, pois, mesmo não podendo ir ao passado, penso ser mais racional acreditar que em 1964 houve uma tomada de poder pelos militares no Brasil, mesmo sem eu ter vivido neste período, pelo fato de que muitos historiadores atestam este acontecimento com documentos, relatos de vida, imagens e outros vestígios. A explicação mais racional é a que vai entrar para história. Quem não aceitar a versão terá de arcar com o ônus da prova que, conforme as regras jurídicas, é da acusação. Então alguém que nega que o Brasil foi Tetra campeão em 1994 e que Galvão gritou feito cantor de Grunge neste dia, terá de arcar com o peso de elaborar uma melhor explicação para os VHS filmados na época, as medalhas, o fato de o Brasil ser penta hoje (como poderia ter sido penta, sem tetra?) e por aí vai. Portanto, os céticos não podem simplesmente negar alguma versão da história ou algo do passado.
Um texto histórico é um texto de ficção? Sim e não. “A História também é ficção do presente”. Sim, pois é fruto de leituras de vestígios + interpretação + imaginação e enredo. Não, pois seu referencial será sempre o real, o que aconteceu. Muitos apostam que um texto histórico é pura ficção, eu penso que isto seja uma tolice pura: um texto dito histórico se refere a um real que ocorreu no tempo, mesmo que não possa alcança-lo. Um texto de ficção se refere a um real imaginário.
Espero ter tido sucesso em demonstrar o paradoxo que também pode ser antinomia ou ainda contradição. Faça sua escolha.

Sugestões de leitura para quem quer se aprofundar no assunto:
Desde já advirto: terás muitas dores de cabeça!
A escrita da História – MICHEL DE CERTEAU

Como Se Escreve a História – PAUL VEYNE

Tempo e Narrativa I – PAUL RICOEUR

História & Teoria – JOSÉ CARLOS REIS

Teoria & História – JOSÉ CARLOS REIS

História: A Arte De Inventar o Passado – DURVAL MUNIZ DE ALBUQUERQUE JÚNIOR
Repensando a História – KEITH JEINKS

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