Um caso de
difícil resolução...
Em 1985, no condado de Leicestershire,
em um local rodeado de montanhas, que possuía apenas uma entrada, mais
precisamente no vilarejo de Narborough, Inglaterra, foi encontrado o corpo de
uma jovem que teria sido vítima de um estupro e logo depois assassinada. Apesar
da violência do crime praticado, esse fato poderia ter se perdido entre tantos
outros semelhantes na história. Mas ali morava um homem cujo conhecimento foi
capaz de mudar não apenas os rumos da tragédia, como também de inaugurar uma
nova fase da investigação criminal: a identificação por DNA. A partir de então,
essa estratégia emergiu como uma das ferramentas mais importantes para a
ciência forense.
Hoje, não é difícil encontrar relatos do caso na internet. Alec Jeffreys, era um geneticista,
médico e professor da Universidade de Leicester. Ele havia publicado, não muito
tempo atrás, um artigo na Nature sobre regiões do DNA chamadas minissatélites,
com base nas quais um especialista poderia identificar uma pessoa com
praticamente 100% de certeza. A polícia recorreu à sua ajuda.
Uma segunda vítima, que parecia ter
sido morta do mesmo modo, apareceu nas proximidades. As autoridades prenderam um suspeito que
confessou os crimes, mas o exame do DNA, com base no sêmen encontrado nas
vítimas, não confirmou serem o preso e o criminoso a mesma pessoa, complicando
ainda mais a situação. Para resumir a história, as autoridades locais forjaram
uma campanha de doação de sangue e, mais uma vez, nenhuma amostra analisada era
compatível no teste de DNA. Foi quando alguém lembrou ter ouvido uma conversa
de que um padeiro teria entrado na fila para doar sangue no lugar de Colin
Pitchfork, também padeiro.
O caso foi resolvido quando a polícia
foi em busca de Colin e ele forneceu seu sangue para o exame de DNA, que
confirmou ser ele o verdadeiro praticante dos crimes (posteriormente, ele
confessou a autoria). Foi assim que se deu a primeira resolução de uma
investigação criminal com base em DNA. E o metido que dizia ser o estuprador
aparentemente para ganhar fama, conseguiu: entrou para a história como o
primeiro homem a ser inocentado através de um teste de DNA.
Sobre os métodos
O FBI criou um banco nacional de
dados com perfis genéticos de criminosos para contribuir com as investigações. É
possível utilizar a identidade genética para demonstrar culpabilidade de
criminosos, elucidar trocas de bebês em berçários, identificar corpos e restos
mortais em desastres e campos de batalha, determinar paternidade com uma
confiabilidade praticamente total. Disso todo mundo já sabe, mas como
funciona? Em que casos pode ser aplicado? Há casos em que os testes de DNA não
sejam a melhor saída?
Nos casos em que gêmeos idênticos
sejam suspeitos e que o criminoso tenha deixado vestígios, o DNA deixa de ser
uma fonte segura, pois gêmeos idênticos são os únicos indivíduos que possuem cópias
idênticas do genoma humano. Nesses casos, de acordo com Koch & Andrade (2008),
se possível, mais útil seria analisar as impressões digitais, uma vez que o DNA
em nada poderia ajudar. Além disso, a coleta das amostras requerem extremo
cuidado para que não haja contaminação com DNA de outra pessoa e a análise não
gere resultados confusos. Se as amostras não forem coletadas e processadas com cuidados
adequados, podem não cumprir os requisitos judiciais e científicos para sua
aceitação em tribunais.
A característica mais importante do
DNA para a ciência forense é ser uma molécula que possui regiões que podem
distinguir uma pessoa de outra com alto grau de certeza. Também vantajoso é que
ele está em amostras mínimas de fluidos biológicos e diversos tecidos, em todas
as células nucleadas, pois como o DNA está no núcleo das células, praticamente
qualquer vestígio do corpo de uma pessoa irá conter essa molécula. Outra vantagem
é se tratar de uma molécula de grande estabilidade química, o que permite que sua
amostra seja conservada por longos períodos, até mesmo no ambiente natural.
Uma limitação anterior: eram
convenientes para estudos desse tipo, apenas amostras com células nucleadas,
mas fora do núcleo celular, existem organelas importantes no fornecimento de
energia para as células, chamadas mitocôndrias, que possuem DNA próprio (há
evidências de que no passado, as mitocôndrias eram microrganismos
endossimbiontes que com o estreitamento dessa relação, se tornaram parte das
células eucarióticas). Com o sequenciamento do DNA mitocondrial, atualmente
está se superando a dependência de amostras de células nucleadas.
Na verdade, o DNA mitocondrial oferece
vantagens, uma vez que está presente em número de 500 a 2000 cópias por célula,
sendo uma amostra mais abundante e independe de amostras de células nucleadas. Ainda,
o DNAmt é herdado apenas do gameta materno, permitindo a identificação rápida
de relações familiares pela linhagem materna; o DNAmt possui duas regiões muito
úteis na investigação, chamadas regiões hipervariáveis (HV1 e HV2), onde a taxa
de mutação é de 5 a 10 vezes maior que no DNA nuclear, o que caracteriza um
considerável polimorfismo (variação) que ajuda a distinguir indivíduos.
A palavra polimorfismo, aqui se
refere a regiões do DNA onde a sequência de nucleotídeos difere em cada membro
da população. Com base no grande número e tipos de variações é que se pode identificar uma pessoa. Regiões genômicas que apresentam diferenças entre
indivíduos normais constituem marcadores moleculares. O mais comum é o estudo
de regiões repetitivas (mas com padrão de repetição variando de pessoa para
pessoa) chamadas microssatélites (STRs) e minissatélites (VNTRs).
Algumas técnicas:
ELETROFORESE – é uma técnica por meio
da qual se separam moléculas de acordo com características físicas como massa, tamanho, carga elétrica e compactação. Simplificando: colocam-se amostras de DNA em uma coluna de gel (agarose
ou acrilamida) e subemete-se as amostras a um campo elétrico (diferença de
potencial de 50 a 120v). Como as moléculas de DNA são carregadas negativamente,
elas tendem a migrar ao longo da coluna de gel em direção ao pólo positivo,
sendo possível distinguir diferentes amostras pela velocidade de migração. Por
exemplo, moléculas menores migram mais rápido e depois de algum tempo,
moléculas de tamanhos diferentes estarão localizadas a distâncias diferentes.
Para a visualização das moléculas, é utilizado brometo de etídio, que torna o
DNA fluorescente.
CLONAGEM DE DNA E PCR (Polimerase Chain
Reaction) – como foi mencionado no texto Reprodução: Comunicando o Código da Vida,
existe uma enzima chamada DNA-polimerase que tem a capacidade de produzir
cópias de uma molécula de DNA e é com base nela que funciona a técnica
denominada PCR, a reação em cadeia da DNA-polimerase, utilizada na clonagem e
análise de um DNA de interesse, que poderá então ser utilizado em diversos
tipos de investigação e pesquisa. É rápida, não requer grandes fragmentos de
DNA e, dada sua especificidade, possui alto poder de discriminação; para a sua
realização, é necessário que já se tenha alguma informação prévia sobre o DNA
analisado, pois é uma técnica de aplicação específica e voltada para trechos
também específicos de DNA. Ela consiste em utilizar a DNA-polimerase para amplificar
de sequências do DNA de interesse por meio da produção de cópias,
potencializando as análises pelo aumento do número de amostras.
SEQUENCIAMENTO – o sequenciamento constitui
um dos processos mais importantes em estudos desse tipo, pois permite a
identificação exata da sequência de nucleotídeos do DNA estudado. Foram
desenvolvidas várias técnicas de seqüenciamento, desde processos manuais até os
automatizados. O sequenciamento inclui PCR, mas com algumas diferenças. Para
seqüenciamento, são adicionados análogos capazes que se localizam no lugar de
um determinado nucleotídeo do DNA e, nesse lugar, é bloqueado o crescimento da
cadeia que cresce durante a PCR. Assim, é possível saber a localização das
bases pelo local onde houve a interrupção da reação (o nome é bem complicado:
interrupção controlada de replicação enzimática). O sequenciamento automático
se vale também de DNA amplificado por PCR e desoxirribonucleotídeos incorporados,
como no processo manual, mas que foram marcados com fluorescência. Um feixe de
laser percorre a amostra excitando os marcadores fluorescentes que emitem
diferentes comprimentos de onda, como base nos quais se detectam as posições
das bases (ou seja, as letras do código genético). É um processo complicado e
caro, mas que permite obter um conjunto robusto de informações de alta
confiabilidade para pesquisas científicas e investigações criminais.
REFERÊNCIAS
KOCH, A. & ANDRADE, F. M. A
utilização de técnicas de biologia molecular na genética forense: uma revisão. RBAC, vol.
40(1): 17-23, 2008.
SITES: