segunda-feira, 23 de junho de 2014

Uma Aula de Geologia

O local




Pico do Jabre. Um lugar a 1.197 metros de altitude na Serra de Teixeira, município de Matureia, o ponto mais alto do estado da Paraíba. Local onde a pediplanação traçou a linha entre o Planalto da Borborema e as terras baixas do Sertão e deixou um rastro de inselbergs de resistência. Um belo lugar - diga-se de passagem- que merece que deixemos uma breve descrição para os que ainda não conhecem.


O objetivo

Uma aula de Geologia para alunos dos cursos de Ciências Biológicas e Agroecologia da Universidade Estadual da Paraíba, onde se pudesse visualizar diretamente diversos aspectos dos processos e elementos formadores da paisagem, bem como a própria paisagem resultante da história natural da região. Foi perfeitamente cumprido: não só pela tranquilidade e oportunidades de aprendizado, mas também porque poucas aulas nos deixam tão compenetrados quando as desse tipo.

Aula de campo regida pelo professor Ivanildo Costa para estudantes de
Biologia e Agroecologia da UEPB.



Mas primeiro, pernoitar.

A viagem de ônibus de Campina Grande até Matureia (cerca de três horas) foi tranquila, mas nem por isso deixaria de pedir um bom descanso. Não diria que estudantes ansiosos para uma aula de campo e que venham de turmas diferentes sejam prudentes para dormir cedo ao invés de bater papo, mas o lugar era agradável (com uma aparência rústica para dar um toque especial – Casarão do Jabre era o nome do hotel onde ficamos). No interior do casarão também funciona um museu onde coabitam armas arcaicas e peças sacras. 

Entre jogos de futebol na televisão, um jantar e a apresentação de músicos locais, boas conversas entre amigos, professor e alunos... No fim, descansar um pouco para a subida na manhã seguinte - e ela chegou rapidinho!



Acordar cedo nem sempre é a atividade mais atrativa do mundo, mas lá estávamos nós (ainda que uns antes dos outros, claro), prontos para a subida no Pico do Jabre.

Subindo...






Estar animado por sentir a brisa às seis da manhã de um dia frio é algo que só uma boa aventura justifica. Mesmo com a gente caminhando em aclive considerável, os ventos se faziam sentir no começo e no fim da subida (o calor era mais forte a meio caminho andado). E que subida! Uma paisagem a ser lembrada por um bom tempo, onde o nevoeiro disputava com as árvores altas e repletas de epífitas, qual seria a melhor cortina a reservar do nosso olhar a bela surpresa que nos aguardava no topo, após todas aquelas curvas. 



O Pico


O mosaico de mata serrana e afloramentos rochosos avistados dos quase 1.200 m de altitude, com a região sertaneja servindo de plano de fundo, antes de qualquer processo mental mais elaborado, antes de qualquer discussão teórica ou explicação científica, já seria uma perfeita recompensa ao esforço da subida. Mas como se não bastasse, nossa aula de Geologia realizada em campo preencheu de significados aquilo que já era admirável por simples aparência.


Observações

         As regiões mais elevadas, como as serras que encontramos no Planalto da Borborema, geralmente representam lugares relativamente mais úmidos, onde florestas conspícuas podem ser encontradas; elas predominam na Zona da Mata, entre o litoral e a caatinga, mas podemos encontrar formações florestais bem mais no interior, em altitudes geralmente superiores aos 500m. Tais florestas são bastante diversificadas em sua composição e são conhecidas por diferentes denominações como Matas Serranas, Mata Brejeira, Brejos de Altitude. 
Os diplópodes, assim como as briófitas (imagem abaixo), são organismos que ocorrem preferencialmente em ambientes úmidos. Os diplópodes por exigirem uma certa quantidade de umidade no ar para a respiração e evitar a desidratação; já as briófitas, são plantas que não possuem tecidos especializados na condução de água e nutrientes. Ambos foram encontrados com muita frequência no Pico do Jabre, sinalizando a existência de uma umidade considerável no local.

Os tufos verde-escuro sobre este tronco são musgos (Bryophyta). A planta um pouco maior em primeiro plano é uma pteridófita e as manchas esbranquiçadas no tronco são líquens folhosos.
De acordo com Rocha & Agra (2002), a vegetação encontrada no Pico do Jabre é subcaducifólia e mescla elementos florísticos das matas úmidas e caatingas. Andrade-Lima (1981), também observou a relação entre as maiores altitudes e formação de florestas no interior do Nordeste. A rocha aflora em diversos pontos, permitindo que sejam visualizadas a rocha do pico (sienito) e alguns processos e acidentes em sua superfície, permitindo a constatação de alguns fenômenos que se mostram na superfície.
O pequeno círculo claro formado por material diferente da rocha
circundante é um xenólito.

Sulcos na superfície rochosa formados por intemperismo químico.

A descida:



Já disse o grande Fernando Pessoa: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena". Não diria que foi exatamente fácil largar o conforto de nossas casas, dedicar o nosso fim de semana e sacrificar horas de sono que são tão preciosas em tempos de estudo, mas fomos sabendo do cansaço, responsabilidades e coragem exigidos para uma experiência como essa. Em contrapartida, o desafio serviu mais para renovar as baterias do que nos desgastar:
não há como voltar sem um gás novo de lá!

Uma vez terminada a aula, ainda tínhamos um longo desafio: a volta para casa, começando pela descida que era igualmente cansativa, embora trazendo para os músculos anteriores da perna a força exigida do gastrocnêmio para a subida. Com um misto de saudade, alegria e uma vontade grande voltar lá em outra oportunidade, voltamos bastante satisfeitos e só um pouquinho cansados.

Professor Ivanildo Costa (de boné azul, ao centro) e estudantes de graduação no Pico do Jabre, sobre o Planalto da Borborema, a 1.197 m de altitude (ao fundo, a região do Sertão Nordestino). 15 de Junho de 2014.


Literatura citada:

ANDRADE-LIMAD. D. E. The caatingas dominium. Rev. Brasil. Bot, v. 4, n. 2, p. 149-163, 1981.

ROCHA, E. A.; AGRA, Maria de Fátima. Flora of the Pico do Jabre, Paraíba, Brazil: Cactaceae juss. Act. Bot. Bras., v. 16, n. 1, p. 15-21, 2002.

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