quinta-feira, 18 de junho de 2015

Interlúdio


“Impomos a todas as coisas o nosso relógio de cozinha, com o seu tique-taque sempre igual. Maravilhamo-nos com a rapidez do rato, exprimimos aborrecimento com o torpor do hipopótamo. E, no entanto, cada um deles vive segundo o ritmo do seu próprio relógio biológico.” Stephen Jay Gould


Só a mudança é permanente, mas até ela é inconstante. O ritmo das coisas muda e haja coragem para admitir. Não é nada fácil lidar com o tempo que se vai enquanto buscamos no horizonte o caminho em que devemos pôr os pés. Mas o que importa é a forma como vivemos nossos momentos mais que a duração deles, afinal, alguns insetos vivem um único dia depois que saem do casulo e isso lhes é suficiente. Os pequenos Ephemeroptera sabem o valor de um dia. A gente passa tanto tempo batendo à porta sem ser ouvido e depois ela se abre por acaso quando já fomos embora. Paciência... Cansado de chamar em vão, já à porta de [minha] casa, onde me visito diariamente para compartilhar meu pesar com as paredes, amadureço ideias silenciosas. Ser ouvindo nem sempre garante a porta aberta e se resolvi me abrir agora, foi por respeito e não por esperança. 

Afinal, de que adiantam os ouvidos quando a alma quer ser surda? Grato pelos que me ouviram, mas no fim as coisas continuam sendo o que são. Grito algum romperia o escândalo que é o silêncio ou a arrogância da mudez então estimulada. Até o instinto pode ser calado por um ambiente hostil e você pode não entender o porquê, mas aquele gosto que a vida tinha não é mais o mesmo; como se realmente não desse para estimular papilas quando se imerge nos excessos. Um choque térmico fechou o tempo em mim.

“O tempo parou, feito fotografia
Amarelou tudo que não se movia
O tempo passou, claro que passaria
Como passam as vontades que voltam no outro dia”            
                                            Humberto Gessinger


Desculpem as metáforas, serei mais claro... Dizem que há um tempo certo para cada coisa, mas na prática, é muito difícil desvirtuar o impulso de ir à luta e elevar ao status de virtuosa paciência essa coisa de ficar parado. Estar de mãos atadas não ajuda a ser paciente. No entanto, a duras penas aprendi como a calma ajuda a desamarrar as mãos, uma vez que não há liberdade sem libertação. Olhei muito para as coisas que insistiam em ser as mesmas sempre. Até compreender onde estava aquela mudança que sempre procurei naquele mundo parado.

Tudo permaneceu ali e eu não saí do lugar, voltei as costas, fechei os olhos a isso tudo e lá estava ela incessante dentro de mim. A mudança não é uma lagarta deixando rastros de destruição nem uma borboleta de beleza ostensiva: é um casulo discreto confiando em um galho seco. Uma transição silenciosa entre fases de frenesi que a nada levam. Glândulas falam do que dura como se secretassem nova carapaça...

Contraditório isso. Mas todas as contradições fazem algum sentido e ele nada mais é que o abandono das mudanças aparentes que fazem o mundo ser sempre o mesmo.

Imagino que o lepidóptero não compreenda sua entrada no casulo ou a saída dele.  Sinta apenas que uma mudança está a afetar seu comportamento e metabolismo. É assustador pensar que as mudanças mais importantes da vida possam ser inconscientes. As estações não sabem, não querem, nem se alegram, mas mudam caindo como folhas secas levadas por ventos tortuosos. Em meio a isso tudo um casulo. Não sei se estou entrando ou saindo, mas olhando daqui o mundo à minha volta, me lembro com tristeza de como era tudo lindo e me pergunto se a causa disso tudo foi a hostilidade do clima ou o ímpeto do meu desenvolvimento em um meio que extrapolara sua capacidade de suporte. Tudo converge para o insuportável e ainda não sabendo a causa, não deixo de pensar nas conseqüências. Esqueçamos o hexápode agora, quem vos fala é um humano que quer defender sua postura bípede, porque cair não é solução. 

Foi por toda essa confusão [que acabei de descrever sem explicar] que resolvi deixar algumas coisas importantes de lado. Precisei de uma vida inteira de dedicação para ver como é alto o preço a se pagar pela coragem de traçar seus caminhos. Ser capaz de realizar pode não ser vantagem se você atravessa o deserto por um copo d’água num mundo onde os demais apenas querem uma boa sombra de onde possam te julgar confortavelmente. É por esse mundo que não vale a pena lutar.

Sei que talvez isso seja só a mudança em sua marcha, mas incomoda. Então vem chegando a hora de adormecer para não ver a apoptose dilacerar tecidos que se fortaleceram com tanto esforço. Voar ainda é uma possibilidade, mas não antes de sobreviver, para desenvolver e só então olhar com esperança para o horizonte. Apoptose, ou novos genes a serem expressos? Não compreendo bem esta fase, mas enquanto não aflora a real forma do meu DNA, tem sido difícil e silencioso.

“Onde estão os caras que pregavam no deserto ?
(o deserto continua lá)

Onde estão os caras que deixavam as portas abertas para a vida poder circular ?” Gessinger

2 comentários:

Unknown disse...

Cara, amei cada trecho. Belíssimas analogias! Todas se adequam a realidade da vida aqui, sendo útil ou não. Parabéns, meu saudoso Herbert!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.