A Região Nordeste é estigmatizada por uma visão propagada pela mídia como região possuidora de um interior quente, seco e portanto, pobre. Os adjetivos "quente" e "seco" encontram respaldo científico. Mas a pobreza, onde quer que ocorra, não deve ser confundida com fenômenos naturais: ela é fruto da injustiça social e econômica ou do uso inadequado dos recursos da região. Reiteramos aqui que as condições de semiaridez são peculiaridades climáticas do ambiente com as quais devemos conviver. Se o clima semiárido fosse sinônimo de pobreza, Las Vegas, nos Estados Unidos, seria um lugar bastante pobre, uma vez que apresenta semiaridez mais aguda que o nordeste brasileiro.
Delimitação atual. |
A
região semiárida brasileira foi definida (quando de sua criação pela Lei Federal nº 7.827, de 27 de setembro de 1989, em
substituição ao Polígono das Secas) com a precipitação pluviométrica média anual
inferior a 800 mm sendo adotada como critério (MMA, 2007). Entretanto, em 1974,
Ab’Saber já reconhecia, além da precipitação, a alta incidência solar e altas
temperaturas médias anuais (então em torno de 26-27° C) promovendo uma intensa
evapotranspiração e um consequente déficit hídrico, contribuindo para um clima
semiárido em uma área por ele estimada em 700.000 a 800.000 Km2.
O
semiárido nordestino em sua delimitação atual, que leva em consideração, além
da precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm, o índice de aridez
(IA) de até 0,5 (calculado pela relação precipitação/evapotranspiração
potencial no período compreendido entre 1961 e 1990) e risco de seca superior a
60% tomando como base o período de 1970 a 1990, possui área atual correspondendo
a 982.563,3 Km2 (MMA, 2007).
Os
solos regionais são de especial importância no reconhecimento do caráter
semiárido global da região, uma vez que constituem um suporte extensivo de uma conjuntura biogeográfica que escapa tanto do campo da aridez como das
paisagens tropicais úmidas, de modo que a província das caatingas apresenta, ao
mesmo tempo, tipos variados de vegetação xeromórfica dotada de importante
biomassa e um estoque global de solos muito mais rico em massa e importância
agropastoril que a média das regiões semiáridas conhecidas. Considerando-se o
modelo morfoclimático, proposto por Ab’Saber em 1970, o qual apresenta estreita
relação com as regiões fitogeográficas e vem sendo complementados por dados
atuais, o interior semiárido pertence à área nuclear da Caatinga, caracterizada
pelas depressões interplanálticas e intermontanas.
O relevo
As
depressões interplanálticas do interior nordestino, comumente chamadas de
Sertão (área típica de distribuição da Caatinga), são planícies de erosão
formadas entre o fim do Período Terciário e o início do Quaternário. Processos
erosivos tiveram grande importância na delimitação entre o Sertão e as regiões
mais altas, como o Planalto da Borborema, de clima mais úmido.
De
acordo com Ab’Saber (1999) o Grupo Barreiras,
nos tabuleiros do Nordeste oriental, formou-se quando grandes compartimentos
interiores eram abaixados e aplainados por erosão, sendo removida e depositada
grande massa de detritos na região sublitorânea; a aplainação lateral
(incluindo a pediplanação), que originou as depressões interplanálticas dos
sertões, deixou alguns monólitos (rochas isoladas) que resistiram a tais
processos, são os inselbergs típicos
da região.
Em 1978, Mabessone afirmou que o nordeste brasileiro
é uma área exemplar de ocorrência dessas formações rochosas, que se
caracterizam por montanhas isoladas bem escarpadas, separadas da planície por
uma transição abrupta com um topo agudo ou arredondado, sendo as serras, então,
um conjunto de inselbergs ainda não
separados em unidades individuais. Assim, os inselbergs são um testemunho de
resistência aos processos de formação da região sertaneja.
A SECA
Em escala global, as condições atmosféricas e a origem das chuvas do
semiárido nordestino podem ser compreendidas pela influência das correntes de
ar relacionadas à Zona de Convergência Intertropical (MMA,
2007), bem como por variações de
temperatura nos oceanos Atlântico e Pacífico, apresentando, em escala local,
uma variação nas condições ambientais resultantes da interação do clima com
solo e vegetação.As chuvas na porção sul da região (Bahia, norte de Minas Gerais e sul
do Maranhão e Piauí, concentradas de novembro a fevereiro) são influenciadas principalmente por
frentes frias do Hemisfério Sul e pela Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), sendo a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) o
principal causador de chuvas (centradas de janeiro a abril) para o norte da região, enquanto o leste
concentra as chuvas de abril a julho pela convergência dos ventos alísios de
sudeste, formando uma banda sul da ZCIT (MMA, 2012) e com a região central sendo a mais seca (Ab’Saber, 1970; Ab’Saber 1974).
O ciclo das secas sofre influência do aumento de temperatura dos oceanos
Atlântico e Pacífico, de modo que, de acordo com a MMA (2012), o aumento das
temperaturas na superfície do Atlântico Tropical, a ocorrência das águas
anomalamente quentes, com temperatura da superfície do mar
alta (TSM quente) sobre o Atlântico Equatorial e Sule mais
frias no Atlântico Tropical Norte são observadas em anos com pluviometria acima
da media no período de março a maio de cada ano para o leste da Região Nordeste
e seca no norte do nordeste e leste amazônico, situação que se inverte quando
ocorre TSM quente no Atlântico Sul e fria no Atlântico Norte, dadas as
influências que a temperatura do oceano exerce nas correntes de ar no Nordeste.
Reconhece-se também que o aquecimento do Pacífico Equatorial
Leste (El-Niño), mostra conexão com os eventos de seca na Região Nordeste, uma
vez que esse fenômeno inverte as células de convecção atmosférica e, com o
aumento da circulação descendente a leste, impede a formação de nuvens sobre a
Região Nordeste e parte da Amazônia de modo que em anos de El-Niño, ocorrem
secas nessas áreas(MMA, 2012; MMA, 2007) que têm a alta entrada de energia
solar promovendo considerável evaporação, capaz de neutralizar os efeitos das
chuvas sazonais(Ab’Saber, 1974).
Referências
AB’SÁBER, A. N. Províncias geológicas e
domínios morfoclimáticos no Brasil. Geomorfologia,
São Paulo,v. 43, p. 20-26,1970.
AB’SABER,
A. N. O domínio morfoclimático das caatingas brasileiras. São Paulo: Instituto
de Geografia, USP, Geomorfologia, 1974.
GALVÃO,
A. C. F. A questão da água no Nordeste. Brasília,MMA/ANA/CGEE, 2012.
MABESSONE, J. M. Panorama
geomorfológico do nordeste brasileiro. Geomorfologia,
São Paulo, V. 56.p. 1-16,1978.
PRADO,
Darién E. As caatingas da América do Sul. Ecologia e conservação da Caatinga,
v. 2, p. 3-74, 2003.
SANTANA,
Marcos Oliveira. Atlas das áreas susceptíveis à desertificação do Brasil. 2007.
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