sexta-feira, 5 de junho de 2015

O semiárido e seu clima


A Região Nordeste é estigmatizada por uma visão propagada pela mídia como região possuidora de um interior quente, seco e portanto, pobre. Os adjetivos "quente" e "seco" encontram respaldo científico. Mas a pobreza, onde quer que ocorra, não deve ser confundida com fenômenos naturais: ela é fruto da injustiça social e econômica ou do uso inadequado dos recursos da região. Reiteramos aqui que as condições de semiaridez são peculiaridades climáticas do ambiente com as quais devemos conviver. Se o clima semiárido fosse sinônimo de pobreza, Las Vegas, nos Estados Unidos, seria um lugar bastante pobre, uma vez que apresenta semiaridez mais aguda que o nordeste brasileiro.

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Delimitação atual.
Na América do Sul, há três núcleos de regiões semiáridas, tratadas por Ab’Saber (1974) como “diagonal arreica do Cone Sul”, que vai das estepes frias da Patagônia ao norte do Chile e noroeste argentino; o “domínio das caatingas semiáridas do Nordeste brasileiro” e o “domínio semiárido guajira”, na Venezuela, no extremo norte–noroeste do bloco continental  sul-americano. No Nordeste, a semi-aridez do sertão é uma condição característica das depressões interplanálticas (com altitude geralmente abaixo de 300m), encontrando-se zonas de exceção, como os brejos de altitude (geralmente acima de 500m de altitude) e transições rápidas e complexas nos seus limites (na Zona da Mata, Maranhão e Bahia) para climas subúmidos.

A região semiárida brasileira foi definida (quando de sua criação pela Lei Federal nº 7.827, de 27 de setembro de 1989, em substituição ao Polígono das Secas) com a precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm sendo adotada como critério (MMA, 2007). Entretanto, em 1974, Ab’Saber já reconhecia, além da precipitação, a alta incidência solar e altas temperaturas médias anuais (então em torno de 26-27° C) promovendo uma intensa evapotranspiração e um consequente déficit hídrico, contribuindo para um clima semiárido em uma área por ele estimada em 700.000 a 800.000 Km2.

O semiárido nordestino em sua delimitação atual, que leva em consideração, além da precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm, o índice de aridez (IA) de até 0,5 (calculado pela relação precipitação/evapotranspiração potencial no período compreendido entre 1961 e 1990) e risco de seca superior a 60% tomando como base o período de 1970 a 1990, possui área atual correspondendo a 982.563,3 Km2 (MMA, 2007).

Os solos regionais são de especial importância no reconhecimento do caráter semiárido global da região, uma vez que constituem um suporte extensivo de uma conjuntura biogeográfica que escapa tanto do campo da aridez como das paisagens tropicais úmidas, de modo que a província das caatingas apresenta, ao mesmo tempo, tipos variados de vegetação xeromórfica dotada de importante biomassa e um estoque global de solos muito mais rico em massa e importância agropastoril que a média das regiões semiáridas conhecidas. Considerando-se o modelo morfoclimático, proposto por Ab’Saber em 1970, o qual apresenta estreita relação com as regiões fitogeográficas e vem sendo complementados por dados atuais, o interior semiárido pertence à área nuclear da Caatinga, caracterizada pelas depressões interplanálticas e intermontanas.


O relevo

As depressões interplanálticas do interior nordestino, comumente chamadas de Sertão (área típica de distribuição da Caatinga), são planícies de erosão formadas entre o fim do Período Terciário e o início do Quaternário. Processos erosivos tiveram grande importância na delimitação entre o Sertão e as regiões mais altas, como o Planalto da Borborema, de clima mais úmido.

De acordo com Ab’Saber (1999) o Grupo Barreiras, nos tabuleiros do Nordeste oriental, formou-se quando grandes compartimentos interiores eram abaixados e aplainados por erosão, sendo removida e depositada grande massa de detritos na região sublitorânea; a aplainação lateral (incluindo a pediplanação), que originou as depressões interplanálticas dos sertões, deixou alguns monólitos (rochas isoladas) que resistiram a tais processos, são os inselbergs típicos da região.

        Em 1978, Mabessone afirmou que o nordeste brasileiro é uma área exemplar de ocorrência dessas formações rochosas, que se caracterizam por montanhas isoladas bem escarpadas, separadas da planície por uma transição abrupta com um topo agudo ou arredondado, sendo as serras, então, um conjunto de inselbergs ainda não separados em unidades individuais. Assim, os inselbergs são um testemunho de resistência aos processos de formação da região sertaneja.



A SECA

Em escala global, as condições atmosféricas e a origem das chuvas do semiárido nordestino podem ser compreendidas pela influência das correntes de ar relacionadas à Zona de Convergência Intertropical (MMA, 2007), bem como por variações de temperatura nos oceanos Atlântico e Pacífico, apresentando, em escala local, uma variação nas condições ambientais resultantes da interação do clima com solo e vegetação.As chuvas na porção sul da região (Bahia, norte de Minas Gerais e sul do Maranhão e Piauí, concentradas de novembro a fevereiro) são influenciadas principalmente por frentes frias do Hemisfério Sul e pela Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), sendo a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) o principal causador de chuvas (centradas de janeiro a abril) para o norte da região, enquanto o leste concentra as chuvas de abril a julho pela convergência dos ventos alísios de sudeste, formando uma banda sul da ZCIT (MMA, 2012) e com a região central sendo a mais seca (Ab’Saber, 1970; Ab’Saber 1974).
  
O ciclo das secas sofre influência do aumento de temperatura dos oceanos Atlântico e Pacífico, de modo que, de acordo com a MMA (2012), o aumento das temperaturas na superfície do Atlântico Tropical, a ocorrência das águas anomalamente quentes, com temperatura da superfície do mar alta (TSM quente) sobre o Atlântico Equatorial e Sule mais frias no Atlântico Tropical Norte são observadas em anos com pluviometria acima da media no período de março a maio de cada ano para o leste da Região Nordeste e seca no norte do nordeste e leste amazônico, situação que se inverte quando ocorre TSM quente no Atlântico Sul e fria no Atlântico Norte, dadas as influências que a temperatura do oceano exerce nas correntes de ar no Nordeste.

Reconhece-se também que o aquecimento do Pacífico Equatorial Leste (El-Niño), mostra conexão com os eventos de seca na Região Nordeste, uma vez que esse fenômeno inverte as células de convecção atmosférica e, com o aumento da circulação descendente a leste, impede a formação de nuvens sobre a Região Nordeste e parte da Amazônia de modo que em anos de El-Niño, ocorrem secas nessas áreas(MMA, 2012; MMA, 2007) que têm a alta entrada de energia solar promovendo considerável evaporação, capaz de neutralizar os efeitos das chuvas sazonais(Ab’Saber, 1974).
   



Referências


AB’SÁBER, A. N. Províncias geológicas e domínios morfoclimáticos no Brasil. Geomorfologia, São Paulo,v. 43, p. 20-26,1970.

AB’SABER, A. N. O domínio morfoclimático das caatingas brasileiras. São Paulo: Instituto de Geografia, USP, Geomorfologia, 1974.

       AB’SÁBER, Aziz Nacib et al. Dossiê Nordeste seco. Estudos avançados, v. 13, p. 5-59, 1999.

GALVÃO, A. C. F. A questão da água no Nordeste. Brasília,MMA/ANA/CGEE, 2012.
MABESSONE, J. M. Panorama geomorfológico do nordeste brasileiro. Geomorfologia, São Paulo, V. 56.p. 1-16,1978.

PRADO, Darién E. As caatingas da América do Sul. Ecologia e conservação da Caatinga, v. 2, p. 3-74, 2003.

SANTANA, Marcos Oliveira. Atlas das áreas susceptíveis à desertificação do Brasil. 2007.

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